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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 419 - 434, jan - fev. 2015

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contrato que, por seu turno, nos torne, todos, sócios. É dessa forma que os

franceses, sob o impacto dos ideais americanos, dão a luz ao Leviatã.

Também não é de estranhar que a nova ordem, por seu turno, repi-

ta a velha repressão, uma vez que sua entificação é ungida; logo, sua re-

pressão é uma repressão boa, bem como a resistência contra essa mesma

repressão, seja perpetrada até mesmo por velhos revolucionários, passa

a ser criminalizada – aquela violência libertadora teria, pois, significado

apenas na derrubada da velha ordem, agora, sob a nova ordem, mesmo

que se repitam as mesmas violências, é preciso ponderar que elas agora

são para o bem, o que torna a resistência maléfica. A mesma peça, novo

figurino e novos atores – e uma plateia praticamente igual. A metafísica

spinozana, sob a qual Negri se assenta, não aceita isso: radicalmente ima-

nentista, é inaceitável que velhas relações de opressão sejam toleradas

apenas por serem perpetradas por novos atores.

A moral, para variar, é um saber ineficaz para explicar ou combater

isso. Não é um mal inerente aos indivíduos que participam desse agen-

ciamento que causa isso. Aliás, leituras moralizantes do processo levam a

crer que se de um lado existem personagens puramente maus, poderiam

existir os bons – e é justamente a crença no sujeito histórico transcen-

dente, própria aos voluntarismos, que alimenta esse dispositivo circular.

Achar que todos são maus é, por outro lado, o conservadorismo que na-

turaliza e normaliza esse formidável desastre.

Voltemos, pois, ao Brasil de 2013. Estaríamos repetindo a França re-

volucionária ou pior, a Rússia? De certa forma, sim. Existe uma desvincu-

lação de toda luta constituinte antiditadura, alterglobalista, antineoliberal

que o Partido dos Trabalhadores empenhou antes de chegar ao comando

do governo e a necessidade de manter a ordem, sustentar a razão de Esta-

do, uma vez governante. Existe um fenômeno historicamente recorrente,

mas que não é, contudo, natural ou inevitável.

Ao se colocar a serviço de uma noção abstrata de progresso e civili-

zação, ou de uma razão de Estado tão pouco concreta quanto, esquecendo

justamente a sua maior riqueza, o PT entre, edipianamente, em choque

com sua criatura. Como no

Frankenstein

de Mary Shelley, o criacionismo

próprio da cultura ocidental entra em choque com uma particular pro-

blemática: ter dado não apenas vida, mas vida desejante a uma colcha

de retalhos. É a hora em que Prometheus encontra Édipo. Essa multidão,

filha bastarda do Lulismo, é a Classe sem Nome. E ela não tem nome justa-