

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 419 - 434, jan - fev. 2015
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ordem que as políticas do governo federal, nos últimos dez anos, direta ou
colateralmente causaram.
As manifestações ocorridas desde o mês de Junho por todo Brasil
consistem, não à toa, em um ponto de
convergência
das diversas lutas
em curso no sentido de
divergir
da ordem imperial global, processo que,
na especificidade da realidade brasileira atual, trata-se de um combate
contra um projeto de futuro no qual cada um terá o seu lugar, mas apenas
e tão somente como engrenagem de uma máquina.
Antes, no entanto, é
preciso relembrar como aqui chegamos.
O processo político que desemboca no governo Lula nasce, em
2002, de uma campanha eleitoral vitoriosa na qual, não à toa, o grande
mote era uma falácia: a esperança sobreveio, pela primeira vez, como re-
médio para o medo que nos impedia de ser felizes. Esperança e medo,
todavia, são um par afetivo que jamais esteve desvinculado na moder-
nidade. O discurso hegemônico desde então é, precisamente, que esta-
mos voltados à realização de um futuro necessário, que sujeita assim o
aqui-agora
, logo mesmo as nossas paixões presentes estão deslocadas;
nada de alegria ou tristeza, mas esperança e medo. Fazemos e deixamos
de fazer as coisas em nome dessas virtualidades que, ressalte-se, jamais
estiveram separadas.
Mas o Lula não foi apenas isso. Houve, no entanto, espaço para um
lapso de alegria e atualidade, que permitiram, para além dos dogmas de
velhos e novos socialismos, do burocratismo do Partido e do Estado. Um
movimento
antipoder
no poder que permitiram processos curiosos como
a diminuição da desigualdade social – inclusive racial –, o aumento da
vida média do brasileiro, o empoderamento dos mais pobres não apenas
por políticas salariais, mas também de constituição de biorrendas como o
Bolsa Família ou os Pontos de Cultura, entre outras coisas.
Esse furo nos canônones modernos, de esquerda e de direita, cau-
sado em grande parte por movimentos empíricos e pragmáticos, transfor-
maram o Brasil, causando um significativo abalo. É o que chamamos de
Ascensão Selvagem da Classe semNome: um processo no qual as minorias
brasileiras, no contexto do capitalismo global e cognitivo, se afirmaram a
despeito de rótulos que buscaram lhes imputar – nova classe média, clas-
se C e tantos outros – e das convenções de cordialidade cruel que marcam
estas terras há tempos – o efeito
pedra no lago
igualmente evaporou: a
classe média já não mais forma opinião dos seus subordinados, os mais
pobres passaram a frequentar aeroportos, redes sociais e tudo mais.