Background Image
Previous Page  428 / 590 Next Page
Basic version Information
Show Menu
Previous Page 428 / 590 Next Page
Page Background

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 419 - 434, jan - fev. 2015

428

ordem que as políticas do governo federal, nos últimos dez anos, direta ou

colateralmente causaram.

As manifestações ocorridas desde o mês de Junho por todo Brasil

consistem, não à toa, em um ponto de

convergência

das diversas lutas

em curso no sentido de

divergir

da ordem imperial global, processo que,

na especificidade da realidade brasileira atual, trata-se de um combate

contra um projeto de futuro no qual cada um terá o seu lugar, mas apenas

e tão somente como engrenagem de uma máquina.

Antes, no entanto, é

preciso relembrar como aqui chegamos.

O processo político que desemboca no governo Lula nasce, em

2002, de uma campanha eleitoral vitoriosa na qual, não à toa, o grande

mote era uma falácia: a esperança sobreveio, pela primeira vez, como re-

médio para o medo que nos impedia de ser felizes. Esperança e medo,

todavia, são um par afetivo que jamais esteve desvinculado na moder-

nidade. O discurso hegemônico desde então é, precisamente, que esta-

mos voltados à realização de um futuro necessário, que sujeita assim o

aqui-agora

, logo mesmo as nossas paixões presentes estão deslocadas;

nada de alegria ou tristeza, mas esperança e medo. Fazemos e deixamos

de fazer as coisas em nome dessas virtualidades que, ressalte-se, jamais

estiveram separadas.

Mas o Lula não foi apenas isso. Houve, no entanto, espaço para um

lapso de alegria e atualidade, que permitiram, para além dos dogmas de

velhos e novos socialismos, do burocratismo do Partido e do Estado. Um

movimento

antipoder

no poder que permitiram processos curiosos como

a diminuição da desigualdade social – inclusive racial –, o aumento da

vida média do brasileiro, o empoderamento dos mais pobres não apenas

por políticas salariais, mas também de constituição de biorrendas como o

Bolsa Família ou os Pontos de Cultura, entre outras coisas.

Esse furo nos canônones modernos, de esquerda e de direita, cau-

sado em grande parte por movimentos empíricos e pragmáticos, transfor-

maram o Brasil, causando um significativo abalo. É o que chamamos de

Ascensão Selvagem da Classe semNome: um processo no qual as minorias

brasileiras, no contexto do capitalismo global e cognitivo, se afirmaram a

despeito de rótulos que buscaram lhes imputar – nova classe média, clas-

se C e tantos outros – e das convenções de cordialidade cruel que marcam

estas terras há tempos – o efeito

pedra no lago

igualmente evaporou: a

classe média já não mais forma opinião dos seus subordinados, os mais

pobres passaram a frequentar aeroportos, redes sociais e tudo mais.