

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 419 - 434, jan - fev. 2015
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Os rolezinhos
Entre o final de 2013 e o início deste 2014, os rolezinhos agitam o
país. São
flashmobs
de multidão convocados nas redes sociais, nos quais
jovens da periferia marcam de se encontrar nos shoppings: querem na-
morar, passear, viver… E fazem isso não por lhes faltar algo – as tais “op-
ções de lazer na periferia” – nem por serem “carentes”, mas pelo que lhes
sobra:
desejo!
Esses jovens são parte, pois, da primeira geração brasilei-
ra de excluídos que se sentem autorizados a desejar, que não aceitam
o confinamento nos bairros pobres – como em coisas como o fabuloso
rodoanel de pobreza em torno de São Paulo Capital – e querem ser felizes
imediatamente e não no além.
Não há como entender o rolezinho sem pensar, de forma conjunta,
as novas formas de convivência trazidas pelas internet e suas redes sociais
e, na outra ponta, a dinâmica da nova composição de classe resultante
dos últimos anos: embora o PT e o governo Dilma não saibam coexistir
e cocriar com a vida desejante que produziram, é fato que mais do que
alavancagem financeira, houve um agenciamento desejante potente nos
últimos anos, fazendo de uma multidão de resignados em gente ativa.
Mas tanto a presidenta quanto o partido do governo agem como um Dr.
Frankenstein, perseguidor paranoico de sua própria criatura.
A novidade dessa nova composição de classe é uma classe sem
nome, incontrolável, indisciplinável e imponderável, pronta a fazer movi-
mentos livres, não homologáveis a qualquer momento. Ela não vai pedir
autorização para fazer o que já é seu de direito. Foi-se o tempo dos sala-
maleques com o poder. O rolezinho é, pois, o inverso da Copa no Brasil: é
o ócio investindo diretamente contra o negócio, tempo livre contra roubo
de tempo de vida, ocupação de espaço
versus
confinamento.
É justamente aí, entre a má consciência da velha esquerda nossa de
cada dia, que vê nos rolezinhos uma escravidão ao “consumo”, e a direita,
que surta em ver os bons costumes e a “propriedade” ameaçada, que o
fracasso do velho socialismo de Estado e a verdade sobre o Capitalismo
emergem na prática: o velho bolchevique é – ele sim – o escravo de um
empreendimento negocial – só que coletivizado – e a tal economia de
mercado não é direito à propriedade ou ao lucro, mas sim forma de con-
trole e roubo de tempo de vida – fosse o contrário, e os rolezinhos seriam
aclamados, pois não ameaçavam a “propriedade privada” nos shoppings