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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 419 - 434, jan - fev. 2015

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daí, não é espantoso ver um início de 2014 marcado pela paranoia, nas

redes e nas ruas, com o anúncio, por parte do governo federal, de uma

tropa de choque imensa para conter manifestações, aviões-robô – como

os

drones

americanos – de espionagem e patrulhamento, centrais de fla-

grante prontas a julgar (e condenar) sumariamente quem sair da linha du-

rante o evento, além das grandes obras públicas – com as terríveis remo-

ções de pobres – em prol dos poucos proprietários dos espaços urbanos.

No Rio de Janeiro, cidade sede da final da Copa e das Olimpíadas,

onde uma orgia de obras suntuosas é realizada, continuam faltando in-

fraestrutura básica, até o ponto de prejudicar os tais de “negócios” que

deveriam ser o “legado” dos megaeventos. A água falta por semanas e

é intermitentes em favelas e bairros pobres. O saneamento básico não

existe em favelas que receberam Teleférico faraônico e inútil e as praias

turísticas são grandes esgotos. Depois da tragédia do bondinho de Santa

Tereza, o trenzinho do Corcovado funciona mal, com filas de quatro horas

no meio de um calor infernal. A luz é intermitente em todos os bairros,

sobretudo os mais pobres. Mas os mais chiques e turísticos não fogem

da regra e em janeiro restaurantes, hotéis e supermercados de Ipanema

funcionam com geradores particulares de energia. Os ônibus circulam lo-

tados e em velocidade absurdas – e o próprio Tribunal de Contas do Mu-

nicípio não tem acesso às suas contas. Vândalo é mesmo o poder. Essa é a

verdade. Só os manifestantes e os

Black Blocs

têm a “coragem de dizê-la”.

Criticá-lo significa encontrar o jeito de ter essa coragem e não juntar-se ao

poder mafioso que vive da mentira.

O “legado da Copa”, a partir daí, passa a ser mais exclusão habita-

cional, um aparato de espionagem que fica – e, a exemplo do STF monta-

do nos anos Lula, pode se voltar contra seus próprios criadores, justa ou

injustamente, antes mesmo de se voltar contra a sociedade – e um es-

porte dominado por oligarcas endinheirados. Mas existe um outro legado,

que é o que nos interessa, expresso na forma dos comitês populares da

Copa, articulados em rede e desde baixo pelo país, e no grito do

#NãoVai-

TerCopa

: é um não que não é como o do poder, mas sim uma afirmação

de que é possível acontecer outra coisa além do real, do necessário e do

esperado; é um surrealismo político a favor de um porvir de sonhos vivos,

no qual as coisas são mais do que aquilo que é pensado pela cabeça do

Rei, o dito “real”.