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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 419 - 434, jan - fev. 2015

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chester e Turim e do terceiro mundo, do negro, do mestiço, do excluído

e de veio global. Isso não apenas porque mobiliza um sem número de

pessoas

em torno de si

, enquanto evento, mas porque,

em si

, abre espaço

para “n” biotipos, “n” jeitos de sinestesia: do alto ao baixo, do forte ao

veloz, mas sempre do múltiplo, de um agenciamento ímpar de ímpares.

Futebol é das mais intensas paixões das gentes ao redor do planeta e, não

à toa, dos brasileiros: é, pois, das máximas expressões do ócio criativo

local, da arte da multidão.

Não à toa, o futebol precisa ser colonizado, capturado, posto em

função de algo. Ele prova que o ócio está a favor da vida e não contra,

o ócio não é a morte, ao contrário do que o Pai, a Escola e o Estado nos

dizem. Contra isso, o futebol responde:

trabalhe para viver e não viva de

trabalhar, seu neurótico!

Seu potencial de magnetização fez com que ele

não pudesse ser apagado, primeiro sendo tolerado, depois, moldado aos

interesses do Capital: futebol como prêmio ao dia de descanso do traba-

lhador, aquele que deve trabalhar todos os dias, bônus para estudante

que vai bem nas aulas e por isso pode jogar na hora certa – futebol nar-

rado como outorga no Capitalismo Industrial e, hoje, como negócio do

Capitalismo Cognitivo.

Mesmo na captura, o futebol mantêm abertas brechas que nos per-

mitem pensar: a positividade, a vida, está no ócio, a morte está no

neg-

-ócio

, seu antônimo. Essa inversão, um verdadeiro desentendido ontoló-

gico, é a própria tentativa de captura, por inversão dos polos, do esporte

bretão. Nesse sentido vem à Copa do Mundo no Brasil: desejo das mul-

tidões em ver a competição máxima de seu esporte favorito, e o esporte

que as favorece, em seu solo comum, mas desejo capturado. Nenhum

problema em uma Copa no Brasil: desde que fosse, é claro, uma Copa do

Mundo pelo Brasil e uma Copa no Brasil pelo Mundo, mas é justamente o

fato de essa oportunidade ter sido jogada pela janela – quando ela existiu

– que torna tudo mais grave.

A oportunidade de ver legados como um esporte de base servindo,

ao mesmo tempo de uma educação para o ócio e de uma pré-saúde pre-

ventiva, de alguma mobilidade nas metrópoles – ou, no microcosmo, de

ver um elogio à jinga dos corpos e à cultura do ócio – foi abandonada pe-

los negócios: tudo se tornou o dever infinito de realizar o evento, fazê-lo

a qualquer custo em nome da paranoia de ser “civilizado”, “desenvolvido”

ou, ao menos, parecer isso diante da “comunidade internacional”. A partir