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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 419 - 434, jan - fev. 2015

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Esse lado se torna explícito quando nós o passamos ao crivo da ver-

dade. Com efeito, como qualquer pessoa sã sabe, a guerra não começou

em Junho. Muito pelo contrário, se trata de uma dura e triste realidade

que foi se amplificando – como por acaso – juntamente ao processo de

“abertura democrática”. Saímos da ditadura formal e generalizada para

uma ditadura de fato exercida contra os jovens, pobres e negros das fave-

las, das periferias e dos subúrbios. Na ditadura “formalizada” havia uma

relação nítida amigo/inimigo, oriunda do mundo bipolar da competição

entre os blocos: a guerra (“fria” e “quente”) era travada entre dois mo-

delos. Na ditadura de fato, não se sabe mais quem é o amigo e o inimigo.

Na primeira, o conflito tinha uma formulação ideológica e queria ser en-

tre projetos antagônicos, entre duas teleologias: a atual Presidenta Dilma

era massacrada enquanto “inimiga do Brasil”. Na segunda, o conflito se

organiza a partir da proibição de determinadas substâncias (chamadas de

drogas ou “entorpecentes”) e acontece na mais total falta de sentido (a

ex-presa política chama os manifestantes que criticam o modelo elitista

e neo-colonialista da Copa de “sabotadores” do Brasil, transformando o

debate democrático em uma “guerra psicológica”). Nas duas ditaduras,

tortura-se, mata-se e faz-se desaparecer (inclusive e sobretudo quem de-

veria estar sob a custódia do Estado).

Paradoxalmente, a ditadura de fato mata, tortura e prende mais do

que a outra e não respeita, faz tempo, nenhuma regra de direito e sequer

de convenção nenhuma. A ditadura formal produzia arquivos (que ainda

não forma abertos). A ditadura de fato sequer os arquivos de seu horror

está produzindo. Nem haverá como abrir-los um dia: a ossada do Amaril-

do nunca foi encontrada. Matando, torturando e roubando, seus atores

de elite se tornaram tropa de cinema e “especialista” de TV. Os números

dessa guerra são absurdos e ultrapassam as estatísticas de mortalidade

dos territórios atravessados por guerras “oficialmente” conflagradas.

Pois bem: nem com esse cinismo escancarado o alto magistrado

falou a verdade, pois a guerra sem regras que trata os pobres como o Ini-

migo ocorre há muito tempo. A novidade é o movimento de Junho e seus

desdobramentos, em particular no Rio de Janeiro. E a novidade vai exata-

mente no sentido contrário da segunda colocação que citamos acima: a

novidade do levante de Junho está não apenas em sua massificação, mas

também na determinação que a multidão teve de resistir. Se o estopim da

massificação foram os 20 centavos, o mote geral de uma “luta por uma