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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 419 - 434, jan - fev. 2015

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vida sem catracas” continha muito mais, ou seja uma nova e inespera-

da capacidade de preencher a “liberdade” de uma nova efetividade. Pela

primeira vez, houve uma nítida correlação inversa entre o nível da trucu-

lência da repressão estatal e a propagação das mobilizações para todas

as cidades e todas as periferias. Ousando saber, a multidão produziu não

apenas uma nova luz, mas resistindo, ela soube ousar, dando a essa luz

uma significação diferente. A novidade de Junho é mesmo a abertura de

uma grande brecha democrática, dentro da qual os jovens das periferias e

das favelas, juntando-se ao novo alunado superior massificado (mas tam-

bém precarizado), encontraram uma alternativa potente à guerra insen-

sata que o poder lhe move. Não por acaso a cidade em que o movimento

mais se manteve foi o Rio de Janeiro, onde essa tática – aquela dos Black

Blocs – foi a mais presente. Onde ela esteve presente e combativa, as ruas

ficaram mais mobilizadas, ao ponto que a multidão voltou a massificar-

-se e fechar a Rio Branco duas vezes nos dias 7 e 15 de outubro. Há uma

mentira e uma mistificação que foram veiculadas pela grande mídia, des-

sa vez firme aliada do governo federal (o que deveria fazer refletir todo o

mundo). A mentira foi de dizer que o esvaziamento das ruas foi por causa

da presença dos mascarados, quando na realidade, as ruas se mantiveram

firmemente articuladas às redes no Rio de Janeiro, onde os mascarados

conduziram as ocupações da Câmara, do Leblon e as manifestações no

Palácio Guanabara, durante a visita do Papa, na Alerj, até que se constru-

ísse esse sincretismo com a greve dos professores, construindo na resis-

tência o embrião de uma nova institucionalidade, de tipo metropolitano,

radicalmente democrática. A mistificação é clássica e consistiu em atribuir

aos manifestantes a violência. Contudo, se trata de uma operação ironica-

mente difícil: o nível de violência do poder – em particular, de seu sistema

de justiça – tornou-se tão grande e explícito que a repressão dos manifes-

tantes não consegue alcançar qualquer nível de legitimidade.

Na realidade, as manifestações de rua – em particular no Rio de Ja-

neiro, inclusive a tática Black Bloc– se constituíram como uma grande bre-

cha democrática, uma potente linha de fuga, fora do regime de guerra e

terror que o Estado toca para regular os pobres. Contrariamente ao que o

poder, a mídia e até alguns intelectuais de gabinete tentaram dizer, a táti-

ca Black Bloc não se configura como “violência”, mas como desconstrução

da guerra da qual falou cinicamente e como um absurdo soldado o alto