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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 356 - 375, jan - fev. 2015

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dominante:

“… if the law applies the term theft to an action that is scarcely

even a violation of forest regulations, then the law

lies, and the poor are

sacrificed to a legal lie.”

14

Sobre esse trecho, podemos fazer a leitura de que Marx já percebia

o hábito legislativo de deixar certos tipos penais extremamente vagos com

o intuito de proceder a uma criminalização da pobreza mais eficaz. Do mes-

mo modo, Marx nos aponta para a grande preocupação do direito burguês

como instituição de tutela e proteção da propriedade privada. No decorrer

do artigo, ele zomba da tentativa de utilizar a pena como ferramenta de

prevenção no cometimento de delitos; do argumento que defende a im-

parcialidade dos magistrados; do próprio direito como instituição. Como de

costume, Marx “não deixa pedra sobre pedra”. Ao longo do texto, sinaliza

o que virá a se tornar seu conceito de ideologia, apontando para o fato de

que o estado se vale de uma

“mentira legal”

para punir os pobres. Essa

interpretação de Marx não poderia ser mais atual em relação à situação do

sistema penal, das criminalizações primária e secundária, do grande encar-

ceramento e da instituição classista que é o direito penal.

Em 1844 (apenas dois anos após o

“Debates on the Law on thefts of

Wood”

), Marx escreve seus

Manuscritos econômico-filosóficos

15

, trabalho

que mostra uma imensa evolução no pensamento marxiano. Nele, Marx,

já bastante amadurecido, apresenta o Capital como um

instrumento de po-

der

; como uma força de opressão política; apresenta a propriedade privada

dos meios de produção como o meio pelo qual se estabelece a exploração

da classe operária e a extração do mais-valor. Por mais que o conceito de

mais-valor (ou mais-valia, dependendo da tradução) só vá ser consolidado

mais a frente, é extremamente importante que o entendamos, pois ele é a

materialização da exploração do “patrão” sobre o empregado. Ela resulta

do fato de o trabalhador (que, em Marx, é considerado como uma merca-

doria), mediante sua força de trabalho – sua força produtiva – produzir uma

mercadoria que pode ser vendida por ummontante superior ao seu salário.

O mais-valor surge da diferença entre o valor do produto (que pertence ao

capitalista) e o valor do capital que é produzido no processo de produção.

Esse capital pode ser dividido em dois tipos: o

constante

, que é representa-

do pelo valor que é gasto com os meios de produção; e o

variável

, utilizado

para contratar trabalhadores, que vendem sua

força de trabalho

. Eis que

14 Tradução: “... se a lei denomina furto de madeira uma ação que nem sequer constitui uma contravenção penal

referente à madeira, está a lei, portanto, mentindo e o pobre é sacrificado por causa de uma mentira legal.”

15 Infelizmente, os

Manuscritos

só teriam sido descobertos e publicados em 1932, na União Soviética.