

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 356 - 375, jan - fev. 2015
368
Melossi e Pavarini, recorrendo ao pensamento marxista, nos lem-
bram
“que esse proletariado, de constituição extremamente recente, re-
luta bastante a entrar num mundo do trabalho como o da manufatura,
que lhe é absolutamente estranho.”
29
No entanto, como já pontuamos, o
proletário não tem escolha.
Com a mecanização das fábricas, o desemprego (bem como a for-
tificação da dependência do trabalho) e a miséria aumentavam em larga
escala. Ao mesmo tempo e, como é próprio da sociedade capitalista, o
número de pessoas extremamente ricas também crescia. É muito impor-
tante que nos lembremos da lei dos pobres de Hamburgo (1788), pois, “
vi-
sando manter os pobres trabalhando, as casas para pobres (poorhouses)
fundaram fábricas para emprego dos pobres e escolas para as crianças”
.
30
Elas fracassaram com extrema facilidade, uma vez que o processo de me-
canização diminuía em larga escala a necessidade de mão de obra. Eis o
exército industrial de reserva. É nesse cenário, que o pensamento de Tho-
mas Malthus
31
(1766-1834) ganha força e a criminalização da mendicância
voluntária opera com força total.
Com essa análise, percebemos a incontestável relação entre o di-
reito e o modo de produção de uma sociedade. Rusche e Kirchheimer,
em seu avançado trabalho, trouxeram esse debate para a criminologia. O
recorte histórico estudado por ambos nos dá uma boa mostra do que se
tornaria o direito penal na sociedade burguesa mais evoluída, pois, com o
crescimento da indústria, evolução do capitalismo, consolidação da bur-
guesia no poder e aumento da miserabilidade em todo o mundo, eviden-
temente o direito penal estaria fadado a adquirir um papel importantís-
simo (e fundamental) de controle de massa – cada vez mais sofisticado.
Com o aumento, cada vez maior, do número de indesejáveis e a
falência das tentativas de se controlar a situação, a voz de Jeremy Ben-
tham (1748-1832) ecoa como uma iniciativa burguesa para reinventar o
encarceramento. O
Panopticon
, de Bentham, segundo ensinam Melossi
e Pavarini, constituiria:
“uma tentativa ingênua e nunca concretizada de
coordenar um exasperante sistema punitivo e de controle com a eficiência
produtiva, tentativa que já revela a decidida tendência dos anos seguintes
29 MELOSSI, Dario; e Pavarini, Massimo.
Cárcere e fábrica
. 2ª. Edição. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p. 38.
30
Op.cit
., p. 131
31 A teoria malthusiana dizia que o crescimento desmedido da população seria a consequência óbvia do aumento
da fome, do crime e dos vícios. Por esse motivo, os salários deveriam ser mantidos no patamar mais baixo, unica-
mente para a subsistência.