

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 356 - 375, jan - fev. 2015
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com seu posicionamento materialista e sua crítica à religião, constituiu um
passo crucial para o entendimento de Marx e de Engels que, como se sabe,
também atacariam sua ideia de materialismo nas suas
Teses de Feuerbach
.
Em 1842, Marx publica pela
Rheinische Zeitung
12
um brilhante
trabalho intitulado:
Debates on the Law on thefts of Wood
. Nesse por-
tentoso artigo, Marx se coloca em defesa dos pobres e critica o Estado,
que iguala a crime de furto o ato de recolher do chão a madeira seca de
árvores mortas. Por mais que esse texto não apresente o Marx maduro
intelectualmente d’
O Capital
, o que importa é que já estava claro que o
filósofo tinha uma capacidade crítica invejável, um humor ácido, uma ca-
pacidade de desconstruir conceitos e instituições e, do mesmo modo, unir
a crítica do direito à crítica econômica. Esse é o perfil que acompanhará a
tragetória de Marx e Engels até seus últimos dias. Rubens Enderle resume
perfeitamente o ponto principal do artigo:
“Em defesa da população pobre, proibida de recolher lenha
seca caída das árvores, Marx argumenta contra o rebaixa-
mento da universalidade do Estado e do direito à particulari-
dade da propriedade privada. Em vez de degradar-se ao nível
dos interesses privados, o Estado deve submeter esses inte-
resses ao interesse comum, ou seja, ao próprio Estado. Marx
afirma, então, o direito consuetudinário da classe pobre,
cujos costumes enraízam-se na universalidade da natureza
humana, contra o pretenso direito consuetudinário dos ricos,
calcado na propriedade privada.”
13
Por mais que, nesse trabalho, Marx não tenha se colocado ainda
contra o Estado como instituição; contra o Estado que, como ele dirá no
futuro, é o comitê para gerir os interesses da burguesia, temos aqui um
Marx que já aponta para uma luta de classes; para um Estado parcial, au-
toritário e pautado pela economia. Nota-se ao longo do texto que Marx
ainda não propõe nenhuma transformação radical, mas ele já se coloca
como um incansável defensor da democracia. Da mesma forma, já po-
demos perceber uma forte crítica ao direito penal nesse artigo. Dirá ele,
em sua crítica ao direito como ferramenta de legitimação de uma classe
12 Famoso jornal alemão do século XIX. Marx chegou a ser editor do mesmo, que, no entanto, foi fechado pela
censura em 1843.
13 ENDERLE, Rubens. "Apresentação."
In
:
Crítica da filosofia do direito de Hegel.
São Paulo: Boitempo, 2010, p. 15.