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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 340 - 355, jan - fev. 2015

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De fato, o discurso de Eymerich estrutura uma lógica de orientação

punitivista do sistema penal que pode ser constatada em vários momen-

tos históricos, garantindo a hegemonia da ambição de verdade processu-

al. Tomemos como exemplo a argumentação do Ministro Francisco Cam-

pos, na exposição de motivos do Código de Processo Penal Brasileiro:

"As nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos

réus, ainda que colhidos em flagrante ou confundidos pela

evidência das provas, um tão extenso catálogo de garantias

e favores, que a repressão se torna, necessariamente, defei-

tuosa e retardatária, decorrendo daí um indireto estímulo à

criminalidade. Urge que seja abolida a injustificável primazia

do interesse do invivíduo sobre o da tutela social. Não se pode

continuar a contemporizar com pseudodireitos individuais

em prejuízo do bem comum."

35

O paralelo que pode ser traçado entre as duas concepções não

chega a ser surpreendente, uma vez que são lógicas orientadas para o

extermínio dos que são tidos como inimigos pelos poderes estabelecidos.

Entre Inquisição e Estado Novo, a correlação é mais do que perceptível. O

que assusta é perceber o quanto a finalidade de intimidação do corpo so-

cial ainda permeia o imaginário jurídico, em pleno contexto democrático

que a Constituição impõe ao nosso sistema processual. A epistemologia

inquisitória ainda prepondera, em nome de uma insaciável ambição de

verdade que não expressa outra coisa que um desejo irrefreável de atin-

gir a condenação, desprezando por completo o conceito de que forma é

garantia, como exige o devido processo legal. O sistema inquisitório tem

desprezo pela forma, ou seja, pelo meio; o que interessa é somente a

patológica satisfação de sua inesgotável ambição de verdade: o processo

é reduzido a uma sondagem introspectiva, na qual as formas constituem

um dado secundário ou simplesmente sem importância, pois o que inte-

ressa é o resultado, seja como for obtido.

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A questão é que a estrutura inquisitória não almeja propriamente

a verdade, mas sim a condenação, que é obtida mediante a produção de

uma verdade inteiramente fantasmagórica. Para Ferrajoli, o que caracte-

riza essa epistemologia é o decisionismo processual: o caráter não cogni-

35 BRASIL.

Códigos penal, processo penal e constituição federal

. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 349.

36 CORDERO, Franco.

Procedimiento Penal

: Tomo I. Bogotá: Temis, 2000, p. 264.