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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 340 - 355, jan - fev. 2015

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"[...] é preciso lembrar que a finalidade mais importante do

processo e da condenação à morte não é salvar a alma do

acusado, mas buscar o bem comum e intimidar o povo (

ut alii

terreantur

). Ora, o bem comum deve estar acima de quais-

quer outras considerações sobre a caridade visando o bem

de um indivíduo."

29

A epistemologia inquisitória conforma um campo de saber voltado

para o extermínio do inimigo: foi sistematizada no

Directorium Inquisi-

torum

, de Nicolau Eymerich, – escrito em 1376 – e também no

Malleus

Maleficarum

, publicado em 1487.

30

Trata-se de um saber que, como Car-

valho afirma, “não é ingênuo nem aparente, mas real e coeso, fundado

em pressupostos lógicos e coerentes, nos quais grande parte dos modelos

jurídicos autoritários contemporâneos, alguns ainda em vigor, busca(ra)m

inspiração”.

31

O autor destaca que o modelo é trans-histórico, e tem “[...]

alta funcionalidade para manutenção/legitimação de máquinas judiciárias

autoritárias fundadas no signo do defensivismo”.

32

É nesse sentido que Cor-

dero esclarece que floresce com a Inquisição uma retórica apologética cujos

argumentos ressoam, como tais, em lugares e momentos distintos.

33

Para

Coutinho, "trata-se, sem dúvida, do maior engenho jurídico que o mundo

conheceu; e conhece. Sem embargo de sua fonte, a Igreja, é diabólico na

sua estrutura (o que demonstra estar ela, por vezes e ironicamente, povo-

ada por agentes do inferno!), persistindo por mais de 700 anos. Não seria

assim em vão: veio com uma finalidade específica e, porque serve – e conti-

nuará servindo, se não acordarmos –, mantém-se hígido."

34

29 EYMERICH, Nicolau.

Manual dos inquisidores

. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 122.

30 Francisco de La Penã foi responsável pela revisão e ampliação do

Manual dos Inquisidores

de Eymerich, em

1578. O

Malleus Maleficarum

foi elaborado pelos inquisidores dominicanos Heinrich Kraemer e James Sprenger. Se

por um lado não há dúvida quanto ao caráter oficial do

Directorium Inquisitorum

, o

Malleus Maleficarum

(martelo

das bruxas) está envolto em polêmicas que vão desde a efetiva autoria conjunta de Sprenger até a sua aceitação

oficial, pois embora tenha sido supostamente instaurado como manual punitivo pela Bula Papal de Inocêncio VIII,

a Inquisição perseguiu Kraemer e a Bula que consta no início do livro não refere especificamente o

Malleus

, mas

somente a autoridade dos autores como inquisidores. De qualquer forma, independentemente de seu caráter ofi-

cial, o texto se disseminou rapidamente e teve enorme popularidade. Para Zaffaroni, o

Malleus

apresenta alto nível

de racionalização teórica, acumulando a experiência punitiva de séculos anteriores; o esforço teórico de ambos os

inquisidores era dirigido à bruxaria e teve espetacular êxito editorial, com dezenas de edições. Para o autor, o livro

é a obra teórica fundacional do discurso legitimador do poder punitivo e além de estabelecer a persecução das

bruxas, qualifica como hereges todos os que não acreditam em sua existência. ZAFFARONI, Eugênio Raul; BATISTA,

Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro.

Direito Penal Brasileiro – I

. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 510-511.

31 CARVALHO, Salo de.

Pena e garantias

. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 6.

32 CARVALHO, Salo de.

Pena e garantias

. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 12.

33 CORDERO, Franco.

Procedimiento Penal

: Tomo I. Bogotá: Temis, 2000, p. 19.

34 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. "O papel do juiz no processo penal".

In:

COUTINHO, Jacinto Nelson de

Miranda (coord.)

Crítica à teoria geral do direito processual penal.

Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 18.