

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 340 - 355, jan - fev. 2015
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"Deve-se, pois, à concepção ideológica de um processo penal
democrático, a assertiva comum de que sua estrutura há de
respeitar, sempre, o modelo dialético, reservando ao juiz a
função de julgar, mas com a colaboração das partes, despindo-
-se, contudo, da iniciativa da persecução penal. A estrutura
sincrônica dialética do processo penal democrático conside-
ra, pois, metaforicamente, o conceito de relação angular ou
triangular e nunca de relação linear, sacramentando as linhas
mestras do sistema acusatório."
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No entanto, apesar de suas inegáveis virtudes, a questão é que tal
modelo ainda está por ser concretizado na realidade concreta, o que in-
felizmente maximiza os danos decorrentes de condenações equivocadas.
Afinal, a existência de um poder punitivo que se exprime através da ju-
risdição levará, inevitavelmente, à ocorrência de tais danos, uma vez que
o processo sempre será um ritual de redução da complexidade que não
tem a aptidão de reproduzir de forma perfeita e inequívoca o que, de
fato, ocorreu. Essa insuperável deficiência é potencializada pela busca da
verdade, pois ironicamente a ambição de verdade acaba matando o con-
traditório e construindo um conhecimento monológico, potencialmente
desastroso. Precisamos acordar para essa realidade urgentemente. Como
observa Prado, infelizmente [...] "a estruturação democrática do processo
penal não se impõe simplesmente de cima para baixo, ainda que parta da
Constituição, pelo menos não sem que se vençam fortes adversários cul-
turais, credores inabaláveis na verdade real, absoluta, conquistável atra-
vés de um procedimento penal de defesa social, como o inquisitório" [...]
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Eis nosso grande desafio: romper com a hegemonia da ambição de
verdade. Não apenas porque a questão tenha relevância acadêmica, mas
pelo fato de que a conformidade com esse critério efetivamente conduz
a perspectivas muito distintas para os direitos fundamentais do acusado
e para o desenrolar da atividade cognitiva. Para Goldschmidt, a finalidade
do procedimento penal é a averiguação da verdade – de forma receptiva
– e a verificação da justiça.
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Mas segundo ele, existem dois caminhos dis-
46 PRADO, Geraldo.
Sistema acusatório:
a conformidade constitucional das leis processuais penais. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2006, p. 33.
47 PRADO, Geraldo.
Sistema acusatório:
a conformidade constitucional das leis processuais penais. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2006, p. 37.
48 O que indica que até mesmo Goldschmidt precisa ser superado neste aspecto, pois apesar de toda riqueza de sua
concepção processual, ele ainda confere à verdade um lugar canônico, tornando o processo passível de sucumbir
à patologia da ambição de verdade. Ver KHALED JR, Salah H.
A Busca da verdade no processo penal
: para além da
ambição inquisitorial. São Paulo: Atlas, 2013.