

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 340 - 355, jan - fev. 2015
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Não é nada surpreendente que um código inspirado na lógica per-
secutória do fascismo italiano e elaborado em um período autoritário da
história brasileira seja fundamentalmente antidemocrático, como pode ser
constatado pelas palavras de Francisco Campos na exposição de motivos:
"O juiz deixará de ser um espectador inerte da produção de
provas. Sua intervenção na atividade processual é permiti-
da, não somente para dirigir a marcha da ação penal e julgar
a final, mas também para ordenar, de ofício, as provas que
lhe parecerem úteis ao esclarecimento da verdade. Para a
indagação desta, não estará sujeito a
preclusões
. Enquanto
nao estiver averiguada a matéria da acusação ou da defesa,
e houver uma fonte de prova ainda nao explorada, o juiz nao
deverá pronunciar o
in dubio pro reo
ou o
non liquet
."
42
O anseio persecutório delineado pela lógica inquistória propos-
ta pelo sistema também pode ser percebido pela prerrogativa dada ao
juiz para que, nos crimes de ação pública, possa “[...] proferir sentença
condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absol-
vição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido
alegada”.
43
A desconformidade dessa estrutura de pensamento com a ar-
quitetura normativa de contenção do poder punitivo delineada pela esfe-
ra constitucional é tão clara que sequer parece merecer maior exploração.
Como observa Lopes Jr, “[...] todos os dispositivos do CPP que sejam de
natureza inquisitória são substancialmente inconstitucionais e devem ser
rechaçados”.
44
Portanto, diante da tentação do ativismo judicial, o que
se deseja é um modelo acusatório democrático, condizente com o limite
constitucional e que, como tal, mostre-se apropriado para uma perspecti-
va de redução de potenciais danos.
45
Segundo Prado:
42 BRASIL.
Códigos penal, processo penal e constituição federal
. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 352-353.
43 BRASIL.
Códigos penal, processo penal e constituição federal
. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 355.
44 LOPES JR, Aury.
Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional
. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
p.183. Como observa Lopes Jr, é o caso de dispositivos fundamentalmente inconstitucionais do CPP, como os arts.
5º, 127,156, 209, 234, 311, 383, 385, etc., que violam as regras do sistema acusatório constitucional. LOPES JR, Aury.
Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional
. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 184.
45 Em suma, o horizonte deve ser incisivamente contrário ao sentido concebido por Francisco Campos na exposição
de motivos do CPP de 1941. Em suas palavras, “no seu texto não são reproduzidas as fórmulas tradicionais de um
mal-avisado favorecimento legal aos criminosos. O processo penal é aliviado dos excessos de formalismo e joeirado
de certos critérios normativos com que, sob o influxo de um mal-compreendido individualismo ou de um sentimen-
talismo mais ou menos equívoco, se transige com a necessidade de uma rigorosa e expedita aplicação da justiça
penal”. BRASIL.
Códigos penal, processo penal e constituição federal
. São Paulo: Saraiva, 2010.