

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 340 - 355, jan - fev. 2015
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modelo gerente que deve colocar-se como “[...]
limite
às derivas proces-
suais de fundo autoritário, impondo um sistema processual que possa
considerar-se ele mesmo um aparelho limite ao poder punitivo”.
24
Como
refere Carvalho, “[...] o direito (penal e processual penal), capacitado des-
de o
locus
constitucional, otimizaria mecanismos de frenagem ao excesso
punitivo do Estado, à coação direta própria da gestão dos aparatos penais
reduzindo os danos produzidos aos direitos e garantias fundamentais”.
25
Segundo Prado, “[...] Constituição e Processo Penal lidam com algumas
importantes questões comuns: a proteção aos direitos fundamentais e a
separação dos poderes”.
26
Para ele, é possível identificar claramente um
vínculo entre direito-processo-democracia.
27
2. Processo penal do cidadão e processo penal do inimigo
Portanto, está mais do que evidente que a democraticidade impõe
que o funcionamento do sistema penal deve partir do necessário respei-
to ao princípio maior – a dignidade da pessoa humana –, em oposição à
lógica persecutória que, no passado, organizou sistemas voltados para a
implacável persecução dos indesejáveis, tidos como inimigos. A questão
fulcral é que a epistemologia inquisitória foi concebida para homogeneizar
o corpo social, matando a diferença, enquanto o nosso cenário democráti-
co-constitucional impõe, acima de tudo, o respeito ao plural.
28
Trata-se de
uma lógica inteiramente distinta da sensibilidade inquisidora que estrutu-
rou os sistemas de persecução ao inimigo, como o delineado por Eymerich:
24 CUNHA MARTINS, Rui.
O ponto cego do direito:
the brazilian lessons.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 95.
25 CARVALHO, Salo de.
Antimanual de criminologia
. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 101.
26 PRADO, Geraldo.
Sistema acusatório:
a conformidade constitucional das leis processuais penais. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2006, p. 41.
27 Para Geraldo Prado, “[...] a edificação de qualquer política-criminal em um estado democrático está condenada
à incoerência normativa se for desenvolvida à margem do nível jurídico posterior e não considerar que o respeito
à dignidade humana é o princípio e fundamento do sistema político democrático, único espaço comum para qual-
quer pacto democrático”.PRADO, Geraldo.
Sistema acusatório:
a conformidade constitucional das leis processuais
penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 28.
28 Ao discutir a privilegiada relação entre direito e democracia, Prado sustenta que não é uma relação “[...] com
uma democracia qualquer, fulcrada na declaração formal de respeito aos direitos fundamentais e numa vinculação
passiva entre governados e governantes e sim na real democracia participativa, integradora e solidária, com inegável
repercussão no plano do processo penal, de sorte que a cultura democrática aos poucos poderá ser desenvolvida
pela conscientização da forma democrática da sociedade conviver”. PRADO, Geraldo.
Sistema acusatório:
a confor-
midade constitucional das leis processuais penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 40.