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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 340 - 355, jan - fev. 2015

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acusatória, uma vez que nosso sistema processual penal ainda é anima-

do por uma doentia ambição de verdade, que se recusa a arrefecer.

2

Em

nome dessa insaciável busca, permanece imperando um processo penal

do inimigo, cujo sentido consiste na obtenção da condenação a qualquer

custo. O fetiche pela legislação infraconstitucional ainda seduz a imagina-

ção persecutória de muitos magistrados: nosso Código de Processo Penal

(de 1941) é tido como livro sagrado, continuamente apto a potenciali-

zar práticas visivelmente inquisitórias e antidemocráticas. Nada parece

impedir a continuidade de sua aplicação e muito menos que diante da

perspectiva de um novo código, os juízes se manifestem temerosos com a

possibilidade de retirada de poderes que lhes permitam buscar a verdade

real.

3

Ainda temos que avançar e muito, pois permanecemos presos a um

núcleo de pensamento autoritário que é preciso urgentemente superar

para fortalecer a democracia. Como observa Maier, a correlação entre

o sistema político imperante e o conteúdo do direito processual penal é

mais direta e imediata do que em qualquer outro ramo do ordenamento

jurídico, incluindo o direito penal material.

4

Segundo Badaró, a questão é

muito mais política do que técnico-processual, pois a escolha do sistema

processual decorre do próprio modelo que o Estado instituiu e das rela-

ções deste Estado com seus cidadãos.

5

Para o autor, “a relação processual

penal é um reflexo da relação entre Estado e indivíduo ou, mais especifi-

camente, entre autoridade e liberdade”.

6

Como assinala Goldschmidt, os

princípios da política processual de uma nação não são outra coisa que

segmentos de sua política estatal em geral. Pode ser dito que a estrutura

do processo penal de uma nação é o termômetro dos elementos demo-

cráticos ou autoritários de sua Constituição.

7

Portanto, temos aqui um im-

passe aparentemente insuperável: Constituição com projeto acusatório e

realidade de consagração e celebração inquisitória, ainda que para muitos

nosso sistema processual penal seja percebido como misto.

Ministério Público (art.129, I); contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV); devido processo legal (art. 5º, LIV), presunção

de inocência (art. 5º LVII) e exigência de publicidade e fundamentação das decisões judiciais (art.93, IX). LOPES JR, Aury.

Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 182-183.

2 Ver KHALED JR, Salah H.

A Busca da verdade no processo penal:

para além da ambição inquisitorial. São Paulo:

Atlas, 2013.

3 CUNHA MARTINS, Rui.

O ponto cego do direito:

the brazilian lessons

. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 37.

4 MAIER, Julio B. J.

Derecho procesal penal I:

fundamentos. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2006, p. 260.

5 BADAR , Gustavo Henrique Righi Ivahy.

Ônus da prova no processo penal.

São Paulo: RT, 2003, p. 106.

6 BADAR , Gustavo Henrique Righi Ivahy.

Ônus da prova no processo penal.

São Paulo: RT, 2003, p. 106.

7 GOLDSCHMIDT, James. "Problemas jurídicos y políticos del proceso penal."

In:

GOLDSCHMIDT, James.

Derecho,

derecho penal y proceso I:

problemas fundamentales del derecho

. Madrid: Marcial Pons, 2010, p. 778.