

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 330 - 339, jan - fev. 2015
330
O Cinismo da
Homeostase
. Ou:
Para uma Democracia que
Ousa
Dizer seu Nome
Gabriel Antinolfi Divan
Doutorando e Mestre em Ciências Criminais pela
PUC-RS. Professor de Processo Penal e Criminolo-
gia da Universidade de Passo Fundo – UPF/RS.
Advogado Criminalista.
“Al fin se vio libre de aquella prisión humana, dura y
olorosa a sudor, se apresuró y se alejó enseguida. Ya era de
noche. Tomó su cerveza sorbo a sorbo. Ya no sabía a vinagre.
Es así. El ser humano se acostumbra a todo. Si todos los días le
dan una cucharada de mierda, primero hace arqueadas, des-
pués él mismo pide ansiosamente su cucharada de mierda y
hace trampas para comer dos cucharadas y no una sola”
Pedro Juan Gutiérrez,
El Rey de La Habana
1
Há uma espécie de
ressaca
proveniente da adoção formal dos pre-
ceitos democráticos no Brasil pela carta cidadã de 1988. Em realidade,
trata-se de uma prática - e a
ressaca
correlata
–
que não é exatamente
proveniente do marco constitucional-democrático, mas encontrou nele
um nicho e uma base de sustentação tão ricos quanto improváveis.
A assunção de figuras conceituais como o espectro de um ‘estado
democrático’ (de direito) e as ‘condensações’ principiológicas que dele
decorrem, e em torno dele gravitam, passou, nessa quadra histórica, a
ser pano de fundo para um tipo bastante peculiar de
sofisma
: a ideia de
que alguns pontos sólidos de clivagem democrática possam ser
indiscri-
minadamente
utilizados para a defesa e a sustentação legítima de ideais
visivelmente antidemocráticos e incondizentes diante da própria princi-
piologia que os sustenta.
1 GUTIÉRREZ, Pedro Juan.
El Rey de La Habana.
Barcelona: Editorial Anagrama, 3 ed., 2008, p. 84.