

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 330 - 339, jan - fev. 2015
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Tenho me acostumado a chamar um grupo muito específico de pes-
soas (e seu discurso inerente) de “
fanáticos da homeostase”
. Uma ideo-
logia que prega tal e qual um cânone religioso a ideia estúpida de que a
‘democracia’ é um ente abstrato, um
deus
melancólico que cobra de seus
súditos um único tributo e uma única profissão de fé: a incapacidade de
tomar, decididamente, uma posição.
De uma palavra de conteúdo político e de aplicação contundente,
‘democracia’ (no contexto do fanatismo cínico dos
homeostatas
) se trans-
muta em uma espécie de barreira para que algo de efetivo seja feito e
sequer pensado ou proposto. O
homeostata
glorifica uma ‘democracia’
vazia e se deleita com um ideal democrático onde predominaria uma es-
pécie de ‘empate eterno’: sempre que uma posição é defendida e que se
busca um debate sólido para que se chegue a alguma
proposta
para que
o sentido da democracia seja inevitavelmente compreendido em algum
contexto, o
homeostata
entra em estado de alerta – não um simples
con-
servador
político, um (neo)liberal oligarca, um reacionário com o ideário
assado
ao ponto
. O
fanático da homeostase
é um híbrido de todos esses
e com uma missão bem definida: a de impedir que certas mudanças se
concretizem tendo como arma uma inglória fiscalização que visa sempre
que possível impedir que o senso de democracia seja posto em prática
como ele é ou deveria ser.
Nesse contexto surreal, a ‘democracia’ é sempre o trunfo na manga
do
homeostata
quando alguma tomada de posição é iminente – ou seja:
alguma realização de proposta parece vir à tona na esteira da ‘democra-
cia’, o
fanático da homeostase
se prepara para desfilar um arsenal retórico
que procura ser vitorioso para que sua ‘missão’ se concretize e assim nada
que fuja ao seu cabedal retrógrado possa ser decididamente alterado. De
forma estúpida, a ‘democracia’, ou o ‘estado democrático (de direito)’,
passam a ser - ao invés de ponte para que,
dentre
esse arcabouço – pro-
postas sejam livres, mudanças sejam feitas e caminhos (ideologicamente
comprometidos, sim) sejam possíveis – justamente os entraves para que
eles mesmos não existam.
é muito obscura a ideia a equivalentes funcionais do direito, o modelo de constituição dirigente-programático pode
transportar, e transporta muitas vezes, o ambicioso projeto de modernidade na forma mais estatizante: a confor-
mação do mundo político-econômico através do direito estatal estruturado sob a forma de pirâmide. François Ost
traçou impressivamente o modelo de direito jupiteriano: ‘Sempre proferido do alto de algum Sinai, este direito toma
a forma de lei. Exprime-se no imperativo e reveste, de preferência, a natureza do interdito. Encontra-se inscrito num
depósito sagrado, tábuas da lei ou códigos e constituições modernas’”
. CANOTILHO, Joaquim José Gomes. “Rever ou
romper com a Constituição Dirigente? Defesa de um constitucionalismo moralmente reflexivo”
in
Revista de Direito
Constitucional e Internacional.
Volume 15. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 8.