

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 276 - 290, jan - fev. 2015
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4.2. A decisão da CIDH
Com fundamento nos artigos 51 e 61, da Convenção Americana, o
caso foi levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos por meio da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Esta invocou, dentre ou-
tras, a violação ao direito ao duplo grau de jurisdição previsto no art. 8.2.,
h, da Convenção Americana, uma vez que a condenação foi imposta apenas
em segunda instância após uma absolvição em primeira instância. Também
foi suscitada a violação ao dever de adotar disposições de direito interno.
A Comissão argumentou que o direito ao duplo grau de jurisdição
não compreende um “direito a duas instâncias”, mas um direito à revisão
de uma condenação criminal por parte de um tribunal superior, indepen-
dentemente da etapa em que aquela seja produzida, o qual não restaria
satisfeito pelo recurso extraordinário. A Comissão recuperou, inclusive, o
histórico de formulação da Convenção Americana, registrando que houve
a exclusão da expressão “primeira instância” quando da redação do artigo
8.2, h
38
. Foi, ainda, ressaltado que toda pessoa condenada em segunda
instância carrega consigo uma absolvição em primeira instância.
O Estado Argentino alegou que o direito ao duplo grau de jurisdi-
ção comporta reservas, inclusive na ordem internacional, como ocorre no
art. 2º, inciso 2, do Protocolo nº 07, da Convenção Europeia de Direitos
Humanos. Sustentou, ainda, que Mohamed, ao interpor o recurso extra-
ordinário, deixou de alegar qualquer violação ao duplo grau de jurisdição
e que teria obtido o devido acesso a tal direito caso tivesse manejado os
recursos da maneira correta.
A Corte Interamericana, então, consignou que o duplo grau de
jurisdição é uma garantia do indivíduo frente ao Estado e que é violada
quando há condenação em segunda instância após sentença absolutória
em primeiro grau, quando o ordenamento interno não previr recurso há-
bil à impugnação da última decisão. No que tange à exceção prevista no
sistema europeu, a CIDH frisou que aquele sistema não tem o alcance
atribuído pela Argentina, isto é, não pode ser utilizado como critério inter-
pretativo da Convenção Americana, até porque esta não prevê qualquer
ressalva
39
em relação ao duplo grau
40
.
38 Corte Interamericana de Direitos Humanos,
CasoMohamed vs. Argentina
, sentença de 23 de novembro de 2012, p. 22.
39 No mesmo sentido, v. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. “O caso 'Mensalão' e a regra do duplo grau de jurisdição”.
In.
Boletim IBCCRIM
, São Paulo, n. 248, jul. 2013, p. 7.
40
Mohamed vs. Argentina
, p. 30.