

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 276 - 290, jan - fev. 2015
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Humanos evidencia-se no que tange à postura refratária com a qual ambas
se deparam no âmbito interno, sobretudo por parte do Poder Judiciário local.
Consoante mencionado no tópico anterior, a defesa
14
de indivídu-
os na esfera penal se depara com obstáculos essencialmente ideológicos,
carregados de preconceitos, estereótipos e tendentes à redução de ga-
rantias e à punição
15
. No Brasil, a cultura punitiva possui contornos ainda
mais pungentes, encontrando raízes na desigualdade social, nas décadas
de escravidão e nos anos de chumbo militar, além de, evidentemente, na
própria essência expiatória do direito repressor
16
.
Em regra, portanto, as Cortes locais (e não apenas as brasileiras, já
que se trata de um problema estrutural do ordenamento penal) tendem
a rechaçar concepções garantistas, especialmente quando estão em jogo
direitos e garantias de indivíduos provenientes das camadas menos favo-
recidas da população. A situação é agravada na hipótese de a postura pro-
gressista ser oriunda do direito internacional, chocando-se com séculos
de contaminação de autoritarismo penal na normativa interna.
Em verdade, a tendência jurisprudencial de consolidar (e manter)
a ideologia das classes dominantes é verificada em relação a todos os ra-
mos englobados pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos. É pos-
sível, de plano, citar dois escapes retóricos comumente utilizados por tais
tribunais: a violação à soberania nacional, bem como uma suposta quebra
da rigidez normativa, paradigmas com os quais os julgadores são acostu-
mados desde que ingressam nas academias jurídicas.
Desse contexto derivam interpretações nacionais deturpadas e em
completa falta de sintonia com o conjunto axiológico que permeou a ela-
boração de determinado diploma internacional. É o que Carvalho Ramos
denomina de “
truque de ilusionista
” dos Estados no plano internacional,
os quais, embora assumam obrigações relacionadas à tutela dos Direitos
Humanos, deixam de cumpri-las sob o argumento de que, em verdade, as
cumprem, mas de acordo com uma interpretação própria
17
.
14 Neste ponto, reiteramos que o artigo considera “defesa criminal” aquela relacionada à maior parte da população
processada criminalmente, qual seja, a composta por segmentos sociais marginalizados.
15 V. BARATTA, Alessandro.
Criminologia e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal.
Trad.
Juarez Cirino dos Santos. 6 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 177.
16 Apenas para ilustrar a situação, vale mencionar o protesto constante do Editorial do
Boletim do Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais - IBCCRIM
de novembro de 2013: “veja-se o caso do
Habeas Corpus.
Agora que a partemais pobre da po-
pulação consegue finalmente bater às portas das Cortes Superiores, alguémaparece para dizer que o rei não poderá recebê-
-la”. IBCCRIM. “Editorial: O esforço de Sísifo e a audiência de custódia”.
In
.
Boletim:
São Paulo, ano 21, n. 252, Nov. 2013, p. 1)
17 CARVALHO RAMOS, André de. “Crimes da Ditadura Militar: A ADPF n. 153 e a Corte Interamericana de Direitos
Humanos”,
in
GOMES, Luiz Flávio e MAZZUOLI, Valério de Oliveira (orgs).
Crimes da Ditadura Militar: sua análise à
luz da jurisprudência interamericana.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 175.