

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 276 - 290, jan - fev. 2015
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Rubens Casara afirma ser um direito típico da cidadania, enunciando a
possibilidade de o inconformado com uma decisão judicial submeter a
questão à cognição de dois órgãos julgadores sucessivamente, sendo o
segundo apto a reformar ou anular a decisão do primeiro
23
.
Juridicamente, a súplica pelo reexame de determinada decisão
funda-se em dois argumentos: inconformidade do prejudicado
24
e pos-
sibilidade de erro judicial. Pressupõe-se que, quanto mais uma deter-
minada decisão for reexaminada, maior a sua tendência de distribuir
justiça
25
. Em termos políticos, o duplo grau de jurisdição encontra razão
de ser na inafastabilidade do controle dos atos estatais, perfazendo ver-
dadeiro postulado do Estado de Direito
26
. Por essa razão, Luigi Ferrajoli
salienta ser o duplo grau uma garantia de legalidade e de responsabili-
dade contra arbitrariedades
27
.
Tal como ocorre na Argentina, França e Portugal, a Constituição Bra-
sileira de 1988 deixou de prever expressamente o direito ao duplo grau de
jurisdição
28
. A omissão constituinte deu azo a diversas interpretações sobre
a existência da mencionada garantia em nosso ordenamento. Lopes Jr., por
exemplo, defende que não há de fato previsão constitucional, não obstante
as mais diversas teorias que tentam extraí-lo de outros princípios constitu-
cionais, tais como o direito de defesa e o devido processo legal
29
. Por outro
lado, Grinover, Gomes Filho e Scarance entendem que
apesar da inexistên-
cia de regra constitucional expressa que garanta o duplo grau de jurisdição,
trata-se, segundo a melhor doutrina, de regra imanente na Lei Maior
30
.
A questão parecia ter sido superada pelo entendimento de que o
direito ao duplo grau de jurisdição encontra previsão expressa nos textos
internacionais dos quais o Brasil é signatário e que foram incorporados ao
bloco de constitucionalidade brasileiro por meio do art. 5º, § 2º, da Cons-
23 CASARA, Rubens R. R.
Op. cit
., p. 497.
24 LOPES JR, Aury.
Op. cit.
, p. 453.
25 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance.
Recursos no Pro-
cesso Penal.
6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 19.
26 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance,
op. cit
., p. 20.
27 FERRAJOLI, Luigi. “Los valores de la doble instancia y de la nomofilaquia”.
In
.
Crimen y Castigo: cuaderno
del departamento de derecho penal y criminologia de la Facultad de Derecho.
V. 1. Buenos Aires: Ediciones
Depalme, 2001, p. 38.
28 CASARA, Rubens R.R.
Op. cit
., p. 499.
29 LOPES JR, Aury.
Op. cit.
, p. 457.
30 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance,
op. cit
., p. 20-21.