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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 276 - 290, jan - fev. 2015

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cursos sociais, financeiros e políticos). Aliás, se considerarmos que as mi-

norias devem ser entendidas como grupos não hegemônicos, ainda que

numericamente superiores

6

, bem como que a maior parcela da população

encarcerada é composta por indivíduos socialmente excluídos, constata-

-se a existência de uma “minoria” de ao menos quinhentos e cinquenta

mil brasileiros, contabilizando apenas as pessoas que se encontram pre-

sas até dezembro de 2012

7-8

.

A revisão de estatutos repressores sob o prisma dos Direitos Huma-

nos sintetiza, nesse sentido, o encontro entre um ramo jurídico contrami-

noritário

9

por excelência e uma concepção de ordem jurídica fundada na

proteção das minorias. A pretensão de fundi-los não tem outro escopo

senão a construção de um ordenamento penal que respeite o exercício

de garantias individuais e consagre a dignidade humana, legitimando-se

na medida em que admite a sua ilegitimidade. É o que ilustra Zaffaroni ao

equiparar um Direito Penal essencialmente garantista (e redutor) ao Direi-

to Humanitário e à Cruz Vermelha:

“en la medida en que ejerza su poder

para reducir el poder punitivo, estará incuestionablemente legitimado, y

que para ello en modo alguno necesita legitimar lo que se reduce”

10

.

No Brasil, por influência da teoria geral do processo, a relação entre

desiguais que funda o processo penal é praticamente ignorada, razão pela

qual os institutos processuais civis são vulgarmente incorporados à perse-

cução punitiva

11

. Essa conjuntura, por óbvio, impacta no direito ao duplo

grau de jurisdição, que, sob o (falso) prisma da neutralidade processual,

caracterizar-se-ia como um imperativo quantitativo, isto é, restaria satis-

feito com o exame jurisdicional, por duas vezes, de determinada imputa-

ção, ainda que a solução final seja condenatória e inverta a interpretação

absolutória de primeiro grau.

6 CARVALHO RAMOS, André de.

Op. cit.,

p. 130.

7 Cumpre, porém, ressalvar que além das pessoas encarceradas, há outras milhares também submetidas ao controle

formal, mas que não são contabilizadas em tais estatísticas,

e.g

., indivíduos submetidos ao livramento condicional.

8 O quantitativo mencionado corresponde aos dados publicados pelo Ministério da Justiça no sítio eletrônico do

Sistema Integrado de Informações Penitenciárias - INFOPEN:

<http://portal.mj.gov.br/main.asp?View=

{D574E9CE

3C7D437AA5B622166AD2E896}&Team=&params=itemID={C37B2AE94C6840068B1624D28407509C};&UIPartUID=

{2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26}>, acesso em 20 dez. 13.

9 Tratamos como “contraminoritário” o Direito Penal na forma em que é aplicado rotineiramente, isto é, voltado ao

encarceramento e estigmatização da população pobre, aqui considerada uma “minoria”. Já o Direito Penal permea-

do por efetivas garantias e que respeite os Direitos Humanos, por sua vez, deve ser considerado contramajoritário.

10 ZAFFARONI, Eugenio Raul. “Abolicionismo y Garantias”.

In.

Derecho Procesal Penal.

t. 1. 2 ed. Buenos Aires: Del

Puerto, 1995, p. 23.

11 LOPES JR, Aury.

Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional.

V. I. 5 ed. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2010, p. 36.