

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 264 - 275, jan - fev. 2015
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Giuseppe BETTIOL ensina que há uma estrita relação genética entre
a forma de Estado e a forma do processo, que está além do texto legal,
pois inserida nas práticas concretas, no âmbito da cultura. A lição, proferi-
da nos anos 60, é importante e merece transcrição:
Existe, portanto, um nexo entre forma de Estado e forma do pro-
cesso. Onde prevaleça a ideia do Estado de Direito, onde o cidadão é jus-
tamente tal, munido de direitos subjetivos invioláveis, o processo tende
à ampliação das garantias defensivas e, assim, ao rito acusatório. Aonde
a relação Estado-cidadão é desequilibrada exclusivamente em favor do
primeiro, as garantias defensivas são enfraquecidas ou eliminadas e o pro-
cesso tende, assim, a ser inquisitório. No entanto, uma advertência se faz
necessária. Se existe uma estrita relação genética entre forma de Esta-
do e forma do processo, tal relação não deve ser entendida em sentido
mecanicista. A forma de Estado pode mudar e o processo anteriormente
vigente ser mantido em vigor. É o caso da República Italiana. O código
do regime fascista, embora com muitas modificações, permaneceu em
vigor por mais de 50 anos. Há um peso da tradição, pelo qual não há uma
adequação automática entre a forma do Estado e a forma do processo.
Ainda, lembre-se que o processo é feito não apenas de normas abstratas,
mas de práticas concretas
. Um código iliberal pode ser interpretado libe-
ralmente e, por outro lado,
o código mais garantista aplicado com ótica
“Para começar, reflitamos sobre a nomenclatura. Os adjetivos ‘inquisitório’ e ‘acusatório’ são usados em, pelomenos, dois
sentidos: no primeiro, sublinham a diferença entre os procedimentos instaurados
ex officio
e aqueles nos quais a decisão
pressupõe uma demanda (de onde o binomio ‘poder de agir e poder de decidir’).
No segundo, configuram dois modos,
diametralmente opostos, de compreender o que acontece no processo: o inquisitor é um juiz ao qual a lei confere um
crédito ilimitado, e isso explica porque ao inquirido não é permitida a interlocução.
Nos sistemas acusatórios, ao contrá-
rio, vale a regra do diálogo: o que se faz em juízo, se faz publicamente; as iniciativas dirigidas à formação das provas, em
particular, são rituais e eficazes namedida emque são conduzidas na presença e coma participação das partes. Poderia-se
enumerar outros pontos de diferença, mas esses são os mais importantes. Deixamos de lado o primeiro: o monopólio
da ação penal, com poucas exceções, pertence ao Ministério Público, de modo que, às custas de uma pequena excen-
tricidade linguística (da qual se aconselha a abstenção), se poderia mesmo dizer que o nosso é um processo acusatório.
O segundo perfil é o mais importante.
A este respeito não há qualquer dúvida de que o nosso ordenamento contenha
institutos de feição inquisitória; mas a ligação como passado não se limita às normas e ao que prescrevem: inquisitório
é o espírito emque as normas são frequentemente concebidas
” (
Linee di un processo acusatorio.
In: AA. VV.
Convegni di
Studio ‘Enrico de Nicola’: criteri direttivi per una riforma del processo penale
, v. IV. Milão: Giuffrè, 1965, p. 61-2. Sem gri-
fos no original). [Tradução livre de: “
Per cominciare, riflettiamo sulla nomenclatura. Gli aggettivi ‘inquisitorio’ e ‘acusatorio’
sono usati in almeno due significati: nel primo, sottolineano la differenza tra i procedimenti instaurati ex officio e quelli,
nei quali la decisione presuppone una domanda (donde il binomio ‘potere d’agire e potere di decidere’). Nel secondo, con-
figurano due modi, che stanno agli antipodi, d’intendere ciò che avviene nel processo: l’inquisitore è un giudice al quale la
legge accorda un credito illimitato, e ciò spiega perché all’inquisito non sia permesso d’interloquire. Nei sistemi accusatori,
al contrario, vale la regola del dialogo: ciò che si fa in judicio, si fa pubblicamente; le iniziative vòlte alla formazione delle
prove, in particolare, sono rituali e quindi efficaci nella misura in cui siano state compiute in cospetto e con la partecipa-
zione dei contraddittori. Si potrebbero enumerare altri caratteri differenziali ma questi sono i più interessanti. Lasciamo da
parte il primo: il monopolio dell’azione penale, eccettuati pochi casi, spetta al pubblico ministero, sicché, a prezzo di una
piccola bizzarria d’espressione (da cui è consigliabile asternersi), si potrebbe persino dire che il nostro è un processo accu-
satorio. Il profilo più importante è il secondo. A questo riguardo non v’è alcun dubbio che il nostro ordinamento contenga
istituti d’impronta inquisitoria; ma il legame con il passato non si limita alle norme e a ciò che esse prescrivono: inquisitorio
è lo spirito con cui le norme spesso sono intese.
”]