

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 264 - 275, jan - fev. 2015
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Ainda, quando trata do papel do juiz e das partes no processo, Fran-
cisco CAMPOS classifica como antipopular o “princípio dispositivo” e a
noção de contraditório,
27
sobrevalorizando a contribuição do juiz com um
pretenso discurso democrático (que é, de fato, populista), sugerindo que os
poderes instrutórios do juiz permitiram diminuir as desigualdades sociais.
28
Em suma, o Código de Processo Penal brasileiro vigente nasce auto-
ritário e sobrevive inquisitório até os dias atuais, na medida em que segue
orientado pela lógica da descoberta da verdade real como um dever de
ofício do magistrado. Como já se mencionou, este modelo processual (re)
produz uma práxis judiciária deletéria, fundada naquele argumento tota-
litário e plenamente adequada a ele.
Todavia, no confronto com as garantias constitucionais hodierna-
mente vigentes, exigiria juízes extra-humanos, capazes de, simultanea-
mente, investigar (o que sempre se faz a partir de uma hipótese pré-de-
terminada, não raro construída desde o primeiro contato com o inquérito
policial) e manter a imparcialidade; instruir (em geral produzindo provas
contra o réu) e, ao mesmo tempo, observar os postulados da presunção
de inocência. É evidente que tal juiz não existe, razão pela qual o modelo
inquisitório (aqui sempre entendido como
gestão da prova confiada ao
magistrado
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) é de todo incompatível com a ordem constitucional vigente.
Estados baseados na exploração, não trata somente de categorias jurídicas e da metodologia determinada por estas,
mas de todo o sistema de idéias, concepções e convicções ou, noutros têrmos, de tôda a concepção filosófica do-
minante na sociedade socialista. (...). Êstes elevados princípios da justiça socialista são os que garantem ao tribunal
soviético sua autêntica independência, sua verdadeira existência autônoma, subordinando a vontade e a razão do
tribunal à lei soviética, que exprime a vontade e a razão do povo soviético” (
A prova judicial no direito soviético
.
Trad. Roberto Pereira de Vasconcelos. Rio de Janeiro: Editora Nacional de Direito, 1957, p. 5-34,
passim
). E, ainda,
ao tratar do ônus de prova, o mesmo autor conclui que a lei soviética impõe “aos tribunais o dever de tratar, por
todos os meios, de esclarecer os direitos efetivos e as relações mútuas dos litigantes, sem limitar-se às declarações
e aos dados apresentados pelas partes. (...). Êste papel ativo do tribunal é o que lhe garante a possibilidade de sair
dos limites de uma atitude estritamente jurídica, dogmático-formal, frente aos interêsses das partes, como sucede
no tribunal burguês. (...) Tudo isto permite estabelecer, como resultado do exame judicial, a verdade
material
e
não a jurídica. Êste dever transforma o tribunal e, em particular, seu presidente, em uma força ativa e fecunda, que
procura uma decisão acertada e atua no processo com iniciativa, com capacidade criadora” (
Id. Ibid.
, p. 133-134).
27 CAMPOS, F.
O Estado Nacional...
Op. cit.
, p. 177-8
.
Em suas palavras: “Nesse sentido, o novo processo é emi-
nentemente popular. Pondo a verdade processual não mais apenas a cargo das partes, mas confiando, numa certa
medida, ao juiz a liberdade de indagar della, rompendo com o formalismo, as ficções e presumpções que o chamado
‘principio dispositivo’, de ‘controversia’ ou ‘contradicção’, introduzira no processo, o novo Codigo procura restituir
ao publico a confiança na Justiça e restaurar um dos valores primordiaes da ordem juridica, que é a segurança nas
relações sociaes reguladas pela lei” (Redação original mantida).
28
Id. Ibid.
, p. 177-9
29 Segundo Jacinto Nelson de Miranda COUTINHO, “se o processo tem por finalidade, entre outras, a reconstrução de
um fato pretérito crime, através da instrução probatória, a forma pela qual se realiza a instrução identifica o princípio
unificador” ("Introdução aos princípios gerais do processo penal brasileiro".
Revista da Faculdade de Direito da Universi-
dade Federal do Paraná
, Curitiba, a. 30, n. 30, 1998, p. 165). Ainda, durante um congresso cuja temática era a reforma do
processo penal italiano, o
IV Convegno di studio “Enrico de Nicola” su “Criteri direttivi per una riforma del processo penale
”,
organizado em Lecce, no ano de 1964, a propósito da distinção entre os sistemas processuais, Franco CORDERO discorre: