

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 264 - 275, jan - fev. 2015
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No tocante à legislação processual, observa-se o fim dos Códigos
estaduais preconizados pela primeira constituição republicana brasileira,
já determinado na Constituição de 1934, mas executado apenas sob a égi-
de da Carta de 1937. Ao Estado Novo getulista importava a unificação da
legislação processual, não tanto como uma inovação cultural e política, eis
que a então existente pluralidade de leis processuais não refletia um ver-
dadeiro sentimento republicano (o Brasil nunca deixou de ser um Estado
unitário, malgrado o cariz federalista da Constituição de 1891), mas como
uma espécie de (re)afirmação da centralidade do exercício do poder.
Neste sentido, mencione-se a lição de Fauzi Hassan CHOUKR: “A
pulverização cultural num momento de reestruturação dos valores fun-
dantes do Estado brasileiro claramente demonstrava que os ideais repu-
blicanos apenas estiveram presentes formalmente naquela quadra de
nossa História, e não foram suficientes para evitar os reflexos autoritários
já existentes e os que ainda estavam por vir. Por isso, pode-se afirmar que
o processo penal não foi um instrumento legal que tenha causado preo-
cupação quando das violências iniciais do Estado Novo (assim como não o
seria ao longo do século que se seguiria) e a unificação promovida tornou
apenas mais dócil a administração deste aparato legal”.
15
O discurso de unificação, como sói acontecer, vem imbuído da ver-
borragia repressiva e punitiva, tão típica de momentos totalitários como
este que se analisa.
16
Francisco CAMPOS afirma: “De par com a neces-
sidade de coordenação das regras do processo penal num codigo unico
para todo o Brasil, impunha-se o affeiçoamento ao objectivo de maior
facilidade e energia da acção repressiva do Estado. As nossas leis vigentes
de processo penal asseguram aos réus, ainda que colhidos em flagrante
ou confundidos pela evidencia das provas, um tão extenso catalogo de ga-
15 CHOUKR, Fauzi Hassan.
Código de Processo Penal: comentários consolidados e crítica jurisprudencial
. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 2.
16 A adoção do processo “misto” napoleônico, caracterizado como um processo inquisitório de aparência acusatória
(quiçá como o lobo em pele de cordeiro), foi precedido de inflamados discursos políticos repressivos. Por todos,
Jean-Jacques-Régis de Cambacérès, depois nomeado arquichanceler do Império Napoleônico, a despeito de toda a
contestação estatística, em defesa da retomada das Ordenações Criminais de 1670, inquisitórias, e da supressão do
Júri, argumentava que os indices de criminalidade se multiplicavam, eis que o modelo processual não condenava o
bastante (v. CORDERO, F.
Guida alla procedura penale.
Turim: UTET, 1986, p. 68-74). Ontem, como hoje, o discurso
punitivo surge como a panaceia para todos os males da segurança pública e da criminalidade, solução rápida e fácil,
que se pretende magicamente capaz de driblar as causas sociais do problema, sem enfrentá-las. Assim, termina por
legitimar sistemas processuais violentos e contrapostos aos postulados constitucionais contemporâneos. Ressalta-
-se que tal ordem de ideias é inerente às estruturas processuais autoritárias e inquisitórias, mas segue presente na
boca da maioria dos políticos e profissionais de imprensa nos dias atuais.