Background Image
Previous Page  272 / 590 Next Page
Basic version Information
Show Menu
Previous Page 272 / 590 Next Page
Page Background

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 264 - 275, jan - fev. 2015

272

Aliás, esta cultura inquisitória, que sobrevaloriza o papel do juiz du-

rante a instrução, cujas raízes estão na Idade Média, produz evidentes

efeitos até os dias de hoje, apesar de toda a moderação no modelo (inqui-

sitório) operada em sucessivas reformas e, principalmente, após a Cons-

tituição de 1988. Basta observar como são conduzidas as audiências de

instrução e comparar o papel desempenhado pelo juiz e pelo membro do

Ministério Público. Em geral, o primeiro é o mais ativo, fala o tempo todo,

pergunta, questiona, dirige os interrogatórios para o caminho que quiser,

guiado por sua impressão do fato (e, assim, se afasta do ideal de impar-

cialidade); já, agora, o segundo, a quem deveria caber o papel principal

na formação dos elementos de prova, é normalmente o mais silencioso,

não raro deixando de formular perguntas e, verdadeiramente, “deixando”

o trabalho instrutório para o juiz. A lógica que orienta esta configuração

processual tem natureza autoritária e representa a fé na capacidade do

juiz de descobrir a “verdade”, independentemente da contribuição das

partes. Segundo CAMPOS: “Á concepção duellistica do processo haveria

de substituir-se a concepção

autoritaria

do processo. Á concepção do pro-

cesso como instrumento de lucta entre particulares, haveria de substituir-

-se a concepção do processo como

instrumento de investigação da verda-

de e de distribuição de justiça

.

25-26

Joaquim Canuto Mendes de ALMEIDA escreve: “A disponibilidade penal negada às partes pelo sistema jurídico, na

medida legal, poupa, na mesma medida, o poder-dever de espontaneidade do juiz penal, chamado ‘poder-dever

inquisitivo’. E a disponibilidade civil, atribuída às partes, autor e réu, pelo sistema jurídico, na medida legal, tolhe,

na mesma medida, a espontaneidade do juiz cível. (...). A não ser que se exclua o processo penal do âmbito da

ciência processual judiciária, é preciso reconhecer que, secularmente, o juiz penal, de regra, foi e é

automático

(e

não

alomático

, como foi e é, de regra, o juiz cível), liberto de travas estabelecíveis por obra das partes. (...). Aliás, no

processo penal, é preferível, por isso, falar de

partícipes

, a falar de

partes

(

Processo penal, ação e jurisdição

. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 10, com grifos no original).

25 CAMPOS, F.

O Estado Nacional...

Op. cit.

, p. 177 (Sem grifos no original. Redação original mantida)

26 Independentemente da ideologia que lhe sirva como pano de fundo, esta racionalidade processual orientada

por um discurso absoluto da verdade é comum a todos os tipos de Estado totalitário, e sempre é justificada com

artifícios retóricos que associam os conceitos de verdade e justiça social. Note-se, pois, como o modelo inquisitório

é inerente a tais sistemas políticos, na medida da ampla centralização de poder que encerram. Neste sentido, o

direito processual soviético, penal e civil, não era exceção. Segundo Andrei VISHINSKI, jurista soviético do período

stalinista: “O direito processual soviético repele as provas formais. As leis adjetivas soviéticas conferem a competên-

cia para a admissão das provas, tanto no crime quanto no cível, exclusivamente ao tribunal, e estabelecem, como

base única para tanto, a convicção íntima do juiz que se apóia no exame de todas as circunstâncias da causa, em seu

conjunto. (...). O estabelecimento da verdade material, uma das missões básicas do processo soviético, resume uma

complexa atividade psicológica e mental, que culmina no convencimento do juiz de que a decisão por ele adotada,

especificamente, é justa, isto é, na formação da convicção íntima do juiz. (...). A convicção íntima que constitui o

resultado, o resumo da atividade dos juízes ao investigar o caso, a culminação de sua obra, determina o conteúdo da

sentença. (...). O método do materialismo filosófico marxista abre o caminho até para o conhecimento das cousas,

dos fenômenos e das relações, tal como são na realidade. Ainda: ensina a compreender e a resolver as contradições,

em conseqüência das quais os acontecimentos investigados pelo tribunal são, com grande freqüência, extraordi-

nariamente complicados. Por outro lado, garante, em grau máximo, a infalibilidade das sentenças, isto é, assegura

o estabelecimento da verdade material. (...) O Direito probatório soviético, ao contrário do Direito probatório dos