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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 243 - 255, jan - fev. 2015

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A jurisprudência dos tribunais superiores foi paulatinamente con-

siderando inconstitucionais todas as restrições genéricas, como a que

determinava o cumprimento de pena integralmente em regime fechado,

proibia a liberdade provisória e, enfim, a restritiva de direitos.

Mesmo depois disso, o axioma subjurídico continua permeando por-

ções significativas da jurisprudência dos Estados, provocando uma plêiade de

condenações e de prisões provisórias que acabam se tornando definitivas.

Afinal, a nova interpretação restritiva aos

habeas corpus

faz com

que a jurisprudência dos Tribunais Superiores só seja acessível aos réus

soltos (que podem esperá-la), porque os réus presos cumprirão as penas

praticamente integralmente antes de poderem usufruir de um entendi-

mento mais liberal. Na prática, uma espécie de

apartheid

processual.

No caso do tráfico, como sabemos, a seletividade é ainda mais pro-

funda, pois o grosso da vigilância policial (que resulta nas denúncias crimi-

nais) se dirige ao microtráfico, das vielas e favelas; e o axioma subjurídico

atinge, ainda, de chofre, o juízo da infância e juventude, pervertendo a

regra de que a internação do primário só pode ser justificada diante da

ocorrência de ato infracional com violência ou grave ameaça. Estatísticas

indicam que quase 50% dos adolescentes internados em SP lá estão por

tráfico de entorpecentes.

O mais feroz dos axiomas subjurídicos que, derivado do senso co-

mum, suplanta o ordenamento é o que diz:

O inocente jamais se cala.

Não se pode dizer que esta seja uma interpretação nova ou van-

guardista, derivada de um

quem cala consente

muito antigo; surpreen-

dente é a sua persistência mesmo depois da incorporação explícita de ga-

rantias constitucionais e infraconstitucionais em sentido contrário.

Muitas condenações ainda são mantidas sob a alegação de que o

indiciado se calou na delegacia – como o inocente não se cala....

O axioma aí não é apenas sub-jurídico, mas antijurídico, pois im-

plode em uma só frase nada menos que dois princípios constitucionais: o

direito ao silêncio e a presunção da inocência.

Representa a consagração, muito moderna aliás, do não processo:

se o silêncio do indiciado na prisão em flagrante já é prova de sua culpa,

qual é a relevância do processo?

E da mesma forma, acórdão do STF que desqualifica a aplicação da

confissão como circunstância atenuante, nos casos de prisão em flagran-

te, porque aí já se tem como

certa a autoria

. Para que o processo então?