

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 243 - 255, jan - fev. 2015
248
A jurisprudência dos tribunais superiores foi paulatinamente con-
siderando inconstitucionais todas as restrições genéricas, como a que
determinava o cumprimento de pena integralmente em regime fechado,
proibia a liberdade provisória e, enfim, a restritiva de direitos.
Mesmo depois disso, o axioma subjurídico continua permeando por-
ções significativas da jurisprudência dos Estados, provocando uma plêiade de
condenações e de prisões provisórias que acabam se tornando definitivas.
Afinal, a nova interpretação restritiva aos
habeas corpus
faz com
que a jurisprudência dos Tribunais Superiores só seja acessível aos réus
soltos (que podem esperá-la), porque os réus presos cumprirão as penas
praticamente integralmente antes de poderem usufruir de um entendi-
mento mais liberal. Na prática, uma espécie de
apartheid
processual.
No caso do tráfico, como sabemos, a seletividade é ainda mais pro-
funda, pois o grosso da vigilância policial (que resulta nas denúncias crimi-
nais) se dirige ao microtráfico, das vielas e favelas; e o axioma subjurídico
atinge, ainda, de chofre, o juízo da infância e juventude, pervertendo a
regra de que a internação do primário só pode ser justificada diante da
ocorrência de ato infracional com violência ou grave ameaça. Estatísticas
indicam que quase 50% dos adolescentes internados em SP lá estão por
tráfico de entorpecentes.
O mais feroz dos axiomas subjurídicos que, derivado do senso co-
mum, suplanta o ordenamento é o que diz:
O inocente jamais se cala.
Não se pode dizer que esta seja uma interpretação nova ou van-
guardista, derivada de um
quem cala consente
muito antigo; surpreen-
dente é a sua persistência mesmo depois da incorporação explícita de ga-
rantias constitucionais e infraconstitucionais em sentido contrário.
Muitas condenações ainda são mantidas sob a alegação de que o
indiciado se calou na delegacia – como o inocente não se cala....
O axioma aí não é apenas sub-jurídico, mas antijurídico, pois im-
plode em uma só frase nada menos que dois princípios constitucionais: o
direito ao silêncio e a presunção da inocência.
Representa a consagração, muito moderna aliás, do não processo:
se o silêncio do indiciado na prisão em flagrante já é prova de sua culpa,
qual é a relevância do processo?
E da mesma forma, acórdão do STF que desqualifica a aplicação da
confissão como circunstância atenuante, nos casos de prisão em flagran-
te, porque aí já se tem como
certa a autoria
. Para que o processo então?