

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 243 - 255, jan - fev. 2015
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Ou a interpretação que vem surgindo no sentido de aumentar a
pena do réu porque teria mentido.... Se o silêncio é culpa, e a negação é
pena, sobra só a confissão. Mais uma vez se justifica a pergunta: para que
o processo, então, com uma condenação tão anunciada?
Nem é preciso dizer o efeito nefasto que estes axiomas produzem
no ato de julgar.
Mas o senso comum e a influência dessa
realidade transmitida
vai
fulminando tantos outros conceitos jurídicos cuja corrosão implica, a mé-
dio prazo, o esvaziamento de quaisquer limites do poder punitivo.
A ideia de pena como limite da culpabilidade vai se pervertendo.
Primeiro com o esfacelamento gradual do sistema progressivo.
A LCH, vigente por mais de quinze anos, fulminou explicitamente a
progressão e provocou a superlotação carcerária que vivenciamos hoje.
O senso comum já dá por vencido que pena, pena mesmo, é só o
tempo de cumprimento em regime fechado (v.g. a manchete pós senten-
ça do Carandiru: Policiais condenados “cumprirão só 3% das penas”). A
fixação da pena já vem sendo considerada para indiretamente esvaziar a
progressão: fixa-se pensando no quanto de regime fechado representa.
Lance mais expressivo desse esvaziamento do sentido da pena foi
a admissão, praticamente expressa, pelo STF, do aumento da pena-base
para fugir aos efeitos da prescrição.
A prescrição, instituto formatado para limitar no tempo o poder
punitivo, ou seja, uma medida de compressão do poder, volta-se como
instrumento regressivo: quanto mais tempo o Estado demorar para jul-
gar, mais pena deverá o réu cumprir. Poucas perversões de princípios se
tornam tão explícitas.
Nessa onda, segue-se um ataque especulativo ao elemento subje-
tivo, com a consagração midiática do dolo eventual para contornar situ-
ações claramente culposas de grande repercussão. E, por fim, a própria
ideia de prova, também flexibilizada no julgamento do Supremo, no con-
trabando de uma teoria da ação.
Em resumo, é o Direito penal quem está perdendo o domínio do fato.
Não se o disputa mais no Parlamento ou na academia.
A disputa agora é na opinião pública, porque esta repercute direta-
mente nas decisões que viram axiomas e depois subjurisprudências.
E a forma sedutora como o discurso invade o jurídico é a via da
‘legitimidade popular’. Tem se tornado cada vez mais comum a pesquisa
de opinião sobre o resultado de um julgamento, antes que ele se inicie.