

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 243 - 255, jan - fev. 2015
246
A perversão que o adágio tomou é mais ou menos como o comen-
tário recente sobre o julgamento no STF da Ação Penal 470: decisão boa,
porque além da Constituição, o tribunal também prestou atenção à “rea-
lidade”. Digno de um “homem de seu tempo”...
Para além da nossa capacidade de compreensão dos novos institu-
tos ou de uma leitura garantista dos velhos códigos empoeirados, o mo-
derno seria integrar-se ao “nosso tempo” –o que, na prática, significa, qua-
se sempre, afastar essa leitura por outra supostamente mais atual, ou seja,
trocar a Constituição pela “realidade”; o Código Penal, pelas telas da TV.
Enquanto procuramos disputar, dentro do meio jurídico, as principais
interpretações dos institutos, caímos na real de que entender o direito não
basta para superar o predomínio das visões draconianas. Porque elas estão,
fundamentalmente, além do direito (ou, mais corretamente, aquém dele).
A questão chave passa a ser: qual é o nosso tempo?
Senso comum: a mídia e os axiomas subjurídicos
E é aí que o discurso dominante na mídia exerce o seu papel de for-
ma mais intensa. O retrato do nosso tempo, tanto mais na área do direito
penal, é descrito como um tempo de violência, de alta criminalidade e,
fundamentalmente, de muita impunidade.
Poucos vão nos dizer que é o tempo de prisões excessivas, super-
lotadas e seletivas, de violências que comprimem a liberdade, de direitos
prometidos e não alcançados, de desigualdades persistentes. Isso não vai
ser manchete do Jornal Nacional nem capa da Veja. Salvo se for para mos-
trar a superlotação de cadeias e vender prisões para a iniciativa privada.
O juiz, homem de seu tempo, segundo a visão mais comumente
lavrada pela grande mídia, se impõe como um juiz que reconhece a fra-
gilidade do sistema repressor e se assume em uma função que de toda
a forma não é sua, a de garantir não os direitos fundamentais como lhe
compete, mas a segurança pública. Põe-se nos ombros do juiz uma cruz
de que não só ele não precisa, como não pode e não deve carregar.
O juiz, homem do seu tempo, é um juiz que
combate a criminali-
dade
e se arrosta contra a
impunidade
, ou seja, um juiz que não apenas
assume um lado no conflito que deve mediar, como vira ele mesmo um
fator de supressão das garantias que lhe era devido tutelar.