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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 243 - 255, jan - fev. 2015

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É essa compreensão da realidade, ou do “tempo em que vivemos”

que explode sobre o intérprete da lei com muito mais eficácia e

contundência do que qualquer manual, com uma dupla função: não ape-

nas torna a repressão como algo lógico e insuperável, como ainda moder-

na e de vanguarda. O garantismo se tornou não apenas minoritário, mas

arcaico, ultrapassado, quase pernicioso.

Mais do que a produção de subjetividades de que a mídia é ca-

paz, com um discurso praticamente monopolista, estimulando a criação

de culpas (por exemplo, quando privilegia a versão única de cada evento,

explorando os detalhes mais trágicos, levando o sensacionalismo a buscar

o elemento mais vingativo e cruel de cada indivíduo), é de se preocupar

com a produção das objetividades –as verdades que se inserem no discur-

so jurídico de tal forma que se tornam praticamente dogmas.

Essas interpretações, que se podem dizer, subjurídicas, não encon-

tram dignidade no direito, mas se transformam em axiomas que motivam

expressivas decisões judiciais e respondem, enfim, por parcela significati-

va da população carcerária.

Roubo é um crime que desassossega a sociedade e deve ser cum-

prido em regime fechado.

Nada mais ‘homem de seu tempo’ do que vincular a pena de um

crime ao ‘desassossego da sociedade’, senso comum derivado não apenas

de impressões pessoais, mas do conjunto de informações transmitidas e

repassadas pela mídia.

Esse axioma não tem propriamente amparo legal, uma vez que a

fixação de regime se impõe pelo volume de pena ou por características

pessoais do agente, ou, no máximo, com uma identificação casuística –

jamais genérica.

E tampouco tem amparo na jurisprudência superior, uma vez que

o STF já até sumulou a impossibilidade de impor regime mais severo com

base apenas na ‘opinião abstrata do julgador sobre a gravidade do crime’.

Todavia, é a expressiva maioria das decisões de quem fornece a palavra

que, no cotidiano das penas e prisões, tende a ser a final.

O tráfico de entorpecentes é crime grave que corrói a sociedade e

não permite liberdade provisória, cumprimento de pena em meio aber-

to ou a substituição por restritiva de direitos.

A tônica do tráfico de entorpecentes como um dos crimes mais gra-

ves do ordenamento, nasceu das entranhas da Constituição que o equipa-

rou ao hediondo que ainda nem existia.