

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 243 - 255, jan - fev. 2015
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mônio e o patriarcalismo, a expressão da função social da propriedade
constitucionalizada, a revigoração de relações trabalhistas e o respeito
à sindicalização e uma nova visão na psiquiatria, incorporando ideais
antimanicomiais e a consideração do doente mental como sujeito de
direitos; o mesmo, aliás, que se pretendeu fazer com o réu, na expressão
de um processo como garantia.
Mas tudo isso, supondo que uma estrutura hierarquizada, formalis-
ta, conservadora e fundada no respeito à tradição, como o Judiciário, seria
capaz de lidar imediatamente com este rol de novos equipamentos, ou re-
conhecer uma visão de sociedade que rapidamente mudava a face. Não foi.
Não só o
ancièn regime
não tem dado conta de absorver a guina-
da jurídica em direção à dignidade humana, como as novas gerações de
juízes continuaram a ser expostas às instâncias fortemente verticalizadas
do Judiciário –por intermédio das quais o novo ou o diferente é quase
sempre discriminado ou preterido. E vêm, assim, sendo estimuladas pela
estrutura a repetir as interpretações tradicionais, atrasando em décadas a
incorporação dos direitos.
No âmbito da imprensa, por fraqueza ou arrogância, acreditamos
que o l
aissez faire
seria capaz de nos levar à consagração da liberdade de
expressão, sem nos dar conta de que uma aguda concentração econômi-
ca representava mais um obstáculo do que um trampolim ao pluralismo
que lhe dá base. Ou seja, uma situação em que muitos podem falar, mas
pouquíssimos são ouvidos.
Um duplo paradoxo, portanto, entre uma liberdade de expressão
que sufoca o pluralismo e uma aparelhagem de direitos humanos por
quem não é ensinado, treinado ou estimulado a usar.
Mas se isoladamente a democracia interrompida pode ter causado
ruídos ao exercício dos direitos com a concentração da comunicação e a
hierarquia do Judiciário, há muitos pontos em que essas perversões se
imbricam e provocam o que parecia ser até improvável. Sendo arenoso o
terreno quando mídia e justiça se desencontram e falam línguas distintas
e inconciliáveis (afinal, o maior receio do juiz na atualidade é a mídia, e
de certa forma, o maior medo da imprensa é o juiz), a situação consegue
ser pior quando chegam à mesma conclusão. Uma combinação explosiva
capaz de fulminar direitos que se pretendia tutelar.