

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 243 - 255, jan - fev. 2015
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O conflito enviesado de gerações
Quando ingressei na carreira da Magistratura, tinha a impressão de
que os juízes mais antigos eram mais severos e mais inflexíveis,
dura lex sed
lex,
por conta de anos de ensino e de tradição positivista e um respeito mais
do que sagrado às formas; ao passo que os juízes novos, frutos de experiên-
cias mais recentes da doutrina, relativizando o normativismo, por intermédio
dos ares que se intrometiam com a Constituição, tinhammais maleabilidade.
Vinte e três anos depois, com o caminho percorrido, tenho a impres-
são inversa: de que justamente os mais novos juízes são ainda mais rigoro-
sos e menos garantistas, e atualmente invertem esse conflito de gerações.
Considerando que esse foi mais ou menos o tempo de vida da Cons-
tituição cidadã seria mesmo o caso de entender o que, exatamente, falhou.
Parte da resposta pode ser dada pela própria falta de democracia
interna no Judiciário em que os novos se sentem encorajados a repetir os
antigos, uma vez que as cúpulas formadas pela
gerontocraria
, encarnam
ao mesmo tempo a jurisprudência dos tribunais e a sua gerência política,
criando um horizonte nada propício a transformações.
Mas parte da resposta pode estar também na insuficiência da de-
mocratização da mídia.
Uma pista pode ser encontrada em um tradicional adágio do meio
jurídico, que vem funcionando como uma espécie de referência: ‘o juiz é
um homem do seu tempo’.
Por muitos anos, eu mesmo costumava me perguntar, após cada
decisão: será que estou sendo um homem do meu tempo?
Para mim, a expressão tinha o sentido de um juiz que, além de co-
nhecer o direito, também estava aberto à sociedade, não era cego aos
problemas vividos e se obrigava a conhecer o novo.
Mas, analisando cada uma das decisões em que essa expressão apa-
recia, fui me dando conta de que, em regra, ela costumava abrigar, com
uma face hipocritamente simpática ou falsamente vanguardista, a expres-
são de um juízo essencialmente repressor – em especial no campo penal.
O juiz, homem de seu tempo, servia como álibi aos avanços e ga-
rantias que a nova Constituição projetava. Sim, tínhamos novos direitos e
garantias, mas um juiz que é “homem de seu tempo” saberia reconhecer
a oportunidade ou a inconveniência de utilizá-los.