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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 13-31, jan - fev. 2015

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Se a prova é o resultado da demonstração da ocorrência de um

fato, forçoso concluir que prova e fato estão umbilicalmente ligados.

Como visto, a prova se destina a demonstrar a ocorrência de um fato

(ou, ainda, a forma como ocorreu determinado fato). Portanto, quando

a lei se refere a decisão manifestamente contrária à prova dos autos,

significa que, nesta hipótese, os jurados julgam não ter existido um fato

cuja ocorrência foi, de forma indubitável, demonstrada pela prova pro-

duzida (ou o oposto, entendem ter ocorrido um fato que a prova de-

monstrou, de forma manifesta, que não existiu).

Nessa linha de raciocínio, se os jurados, por exemplo, negam o que-

sito da materialidade, afirmando que a vítima não sofreu disparos de arma

de fogo, quando há, nos autos, auto de exame cadavérico e testemunhas

que afirmam que a vítima foi alvejada por projétil de arma de fogo, tal de-

cisão contraria frontalmente a prova produzida no processo, pois recusa

um fato cuja existência ficou demonstrada de forma inequívoca.

Do mesmo modo, se os jurados respondem negativamente ao segun-

do quesito, relativo à autoria, e todas as testemunhas afirmam ter visto o réu

efetuar disparos de arma de fogo e ele próprio confessa que atirou na vítima,

inegavelmente tal decisão é contrária à prova dos autos de forma manifesta.

Situação absolutamente diversa se dá quando, nas hipóteses dos

parágrafos anteriores, os jurados reconhecem os fatos provados nos au-

tos, ou seja, que a vítima foi alvejada e que o réu foi o autor dos dispa-

ros, mas, ainda assim, no terceiro quesito, afirmam que o acusado deve

ser absolvido. Neste caso, os jurados não negam nenhum fato comprovado

ou afirmam algum fato cuja ocorrência não restou provada. Nesta hipóte-

se, a decisão é fiel à prova produzida nos autos, porquanto reconhecida a

existência dos fatos tais como restaram demonstrados, sob o crivo do con-

traditório, no processo. A absolvição, através do quesito genérico (isto é,

sempre após o reconhecimento da materialidade e da autoria ou participa-

ção), jamais poderá ser taxada de contrária à prova dos autos, justamente

porque ninguém jamais saberá se os jurados julgaram com base nas provas

(acolhendo uma tese de legítima defesa, por exemplo) ou se a decisão foi

fundada em causas supralegais, razões humanitárias, clemência ou uma in-

finidade de possibilidades que podem permear a mente do julgador.

Como, então, se admitir um recurso que tem como fundamento a

manifesta contrariedade da decisão à prova se a decisão atacada não se

vincula à prova?