

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 185 - 205, jan - fev. 2015
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gualdades de condições e de oportunidades de vida e desprovidos de tra-
dição democrática e de instituições capazes de amortecer os choques cau-
sados pela mutação do trabalho e do indivíduo no limiar do novo século.
Com as políticas de ajuste estrutural implementadas na década de
90 dá-se o vertiginoso aumento da miséria e da exclusão social estrutural.
Como estratégia de contenção das classes excluídas, o Estado Penal passa
a preconizar a criminalização das consequências da miséria.
Tais processos de rotulação, afeitos à teoria do
labelling approach
,
conduzem o estigma de
homo sacer,
vivente na vida nua, aos moradores
de favelas e comunidades periféricas, tidos como as novas classes peri-
gosas, os inimigos públicos, os matáveis. Wacquant (2007, p. 49), ao ex-
plicitar o que compreende como criminalização da pobreza, afirmará que
essas categorias ontológicas não necessitammais praticar condutas deliti-
vas para serem alvo do
jus puniendi
, mas elas próprias tornam-se crimes.
Do mesmo modo, a criminalização não atinge apenas os des-
validos pertences aos estratos mais pauperizados da sociedade, mas
também, aos movimentos de contestação da ordem.
Pari passu
à
criminalização da pobreza, o Estado Policial necessita da criminalização
dos movimentos sociais, dando incrível pertinência à afirmação de
Wacquant: “a manutenção da ordem pública e a manutenção da
estrutura de classes se confundem”.
Deste modo, seja através da expressão Estado Policial cunhada por
Foucault, seja Estado penal, como nomeia Wacquant, Estado de exceção,
como estuda Agamben, sociedade de controle, como elaborou Deleuze,
Estado de sítio com Paulo Arantes, bonapartismo
soft,
como afirma Losur-
do
19
, fascismo societal, como diz Boaventura
20
, autoritarismo
cool
, como
afirma Zaffaroni
21
, militarização da vida social como anuncia Menegat
22
,
todas são denominações diversas para explicitar o mesmo processo de
recrudescimento do controle social institucionalizado no contexto das de-
mocracias contemporâneas.
19 LOSURDO.
Democracia ou Bonapartismo
, 2004, p. 333.
20 Boaventura utiliza a denominação de fascismo societal para descrever a convivência de práticas excludentes,
autoritárias e violentas, dentro de regimes ditos democráticos. SANTOS, Boaventura de Souza. "Reinventar a Demo-
cracia: entre o pré-contratualismo e o pós-contratualismo"
. In
Democratizar a Democracia.
Porto Alegre: Editora
Civilização Brasileira, 2002, p. 51 a 57.
21 ZAFFARONI. Eugênio Raul.
O inimigo no Direito Penal
, 2007, p. 78.
22 MENEGAT, Marildo.
O Olho da Barbárie.
São Paulo: Expressão Popular, 2006.