

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 185 - 205, jan - fev. 2015
189
Nessa perspectiva, quando, a pretexto de dirimir o crime, ignora-se o
Ordenamento Jurídico, suprime-se o Estado Democrático de Direito, e o que
se estabelece é o Estado Policial. Como salienta o ministro Celso de Mello
4
,
“o Estado Policial é a negação das liberdades, indiferentemente de posição
social ou hierarquia. Trata-se de uma antítese do sistema democrático”.
O sistema penal não pode atuar em nome do Estado Policial, vis-
to que os direitos fundamentais, além da base tríplice processual-cons-
titucional dos direitos do cidadão: contraditório, ampla defesa e devido
processo legal, devem permanecer respeitados pela comunidade jurídica.
Tais garantias, no entanto, não são asseguradas nas mais diversas esfe-
ras de atuação do Estado, que se conectam ao sistema penal, no que diz
respeito aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em âmbito tanto
federal, quanto estadual.
Por sistema penal, como preleciona Zaffaroni, entende-se “o con-
trole social punitivo institucionalizado”
5
, que abarca várias agências regu-
ladoras, desde a elaboração do crime, passa pela persecução, julgamento,
imposição da pena
6
e execução penal. Pressupõe a atividade normativa,
do legislador; de perseguição aos desviantes, da polícia, e de condenação
e fixação da sanção, dos juízes e administração da pena, dos juízes e fun-
cionários da execução penal.
Em nossos dias, todas essas agências do sistema penal são estimu-
ladas pelo recrudescimento do Estado Policial, sobrepondo-se aos direitos
e garantias fundantes do Estado Democrático de Direito, configurando, de
tal maneira, flagrante ameaça à sociedade. Nesse diapasão analisaremos
suas manifestações em cada faceta do sistema penal nos três poderes da
República: na norma incriminadora através do Poder Legislativo; no Poder
Executivo, através da atuação das Polícias e do Sistema Penitenciário; e,
por fim, nas decisões judiciais através do Poder Judiciário.
Movido pelo eficientismo penal, o Poder Judiciário naturaliza en-
tendimentos que remetem à doutrina do Direito Penal do Inimigo, pre-
conizada por Jakobs
7
, suspendendo garantias penais e processuais penais
diante de determinadas categorias sociais, a exemplo do réu acusado de
tráfico ilícito de substâncias entorpecentes.
4 Revista
VEJA
, edição de 22 de agosto de 2007.
5 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alessandro; SLOKAR, Alessandro.
Direito penal brasileiro
.
V.: I.
Rio de Janeiro: Revan, 2003.
6 ZAFFARONI, Eugenio Raúl.
Poder Judiciário: crise, acertos e desacertos.
Trad.: Juarez Tavares. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1995, p. 36 e ss.
7 JAKOBS, Günter & CANCIO MELIÁ, Manuel.
Derecho Penal del Enemigo
. Navarra: Editorial Aranzadi, 2006, p. 16.