

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 185 - 205, jan - fev. 2015
192
Wacquant afirma que o Estado, que se mostra incapaz de superar
a crescente crise social, empenha seus esforços em uma gestão penal da
miséria, na criminalização das consequências da pobreza. O Estado penal
que se delineia preconiza o recurso maciço e sistemático à prisão que, uni-
do com a política repressiva às drogas, foi responsável por quadruplicar o
número de presos entre os anos 70 e 90 nos EUA, com a grande maioria
da população carcerária composta por negros de classes mais baixas (WA-
CQUANT, 2007, pp. 207-211).
O período analisado por Wacquant marca a ascensão da doutrina
chamada de “tolerância zero” nos EUA, experienciada na Prefeitura de
Nova Iorque, sob a gestão de Rudolph Giuliani em 1994. A doutrina “to-
lerância zero” denota o rigor do aparato repressivo do Estado até mesmo
em face dos pequenos desvios. Segundo afirma Dornelles (2008, p. 53),
são estas as “tendências ideológicas neoliberais no campo do controle so-
cial, em especial nas práticas penais que forjam o modelo do eficientismo
do direito penal máximo”, filosofia que passa a ser exportada
18
.
Como exposto por Wacquant, nos EUA, a partir das reformas na
área da assistência social, assiste-se à transição do Estado de Bem Es-
tar Social (
Welfare State)
para o Estado Penal (
Warfare State).
No Brasil,
como país de capitalismo periférico, não se pode falar sequer na vigência
histórica do Estado de Bem-Estar. A tendência de hipertrofia do apara-
to penal vem apenas reforçar o controle violento das camadas excluídas
da população exercido desde o século XVI, desde o genocídio colonial.
Implementa-se uma política de Segurança Pública que busca construir no
imaginário social a ideia de combate às classes perigosas, estabelecendo
especialmente a figura do traficante enquanto inimigo público a ser com-
batido, dando ensejo à “política criminal com derramamento de sangue”,
como afirma Nilo Batista.
O próprio Wacquant (2001, p. 7) destaca a peculiaridade dos países
subdesenvolvidos:
(...) a penalidade neoliberal é ainda mais sedutora e mais funesta
quando aplicada em países ao mesmo tempo atingidos por fortes desi-
18 “Inicialmente desenvolveu-se uma rede de difusão de idéias, valores, práticas e modelos de regulação social e
de universalização da regulação econômica que partiu dos Estados Unidos da América e chegou à Europa Ocidental,
através da Inglaterra, e à América Latina.(...) Há, assim, um verdadeiro tráfico transcontinental de idéias e valores
que reforçam as políticas públicas que se colocam no campo da internacionalização da penalização da miséria”.
DORNELLES.
Conflito e Segurança
, 2008, p. 53.