

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 185 - 205, jan - fev. 2015
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Princípio da Superioridade Ética, o Estado não pode se igualar a crimino-
sos. Nesse sentido, deve caminhar o Direito Penal, com o intuito de pre-
servar os direitos humanos, o que significa preservar um mínimo ético de
cada indivíduo, no primado do Estado Democrático de Direito.
1.2 - A Criminalização da Pobreza e dos Movimentos Sociais
Na linha de pensamento de Jacques Rancière, à luz de um contex-
to de mundialização da economia, de “pós-democracia”
15
, a democracia é
concebida como espaço de produção de consenso, a partir da padronização
de normas. Nesta vertente das “Sociedades de Controle”, a política é polícia,
portanto, vigilância em meio-aberto contínua e modular. O autor, em sua
crítica, afirma que a verdadeira política é calcada no dissenso, compreen-
dendo consenso sempre como algo provisório e efeito de lutas constantes.
O receituário do Império indica a equação “mais polícia e menos po-
lítica” diante da crescente autonomização dos mercados e a dilaceração da
soberania estatal. Assiste-se então, a um duplo movimento: recuo na inter-
venção estatal em políticas de cidadania aliado ao incremento dos mecanis-
mos coercitivos para assegurar o monopólio do uso legítimo da violência.
Esta transfiguração da atuação estatal é estudada por Loic Wac-
quant. Debruçando-se sobre as reformas nas políticas sociais implemen-
tadas nos EUA no último quartel do século XX, o autor aponta para o
declínio do
Welfare
State
(Estado de Bem-Estar Social) e a ascensão do
Warfare
State
(Estado Penal), preconizando o incremento do aparato re-
pressivo do Estado
16
.
A partir do momento em que o Estado retrocede no que tange à
sua dimensão prestacional de direitos sociais, se torna necessária a inter-
venção do seu aparato repressivo em relação às condutas consideradas
transgressoras da lei e o rigoroso controle dos grupos sociais ditos ame-
açadores da nova ordem. Este binômio conduz Wacquant a fazer uso da
expressão Estado Centauro
17
.
15 Rancière, J. (1996).
O desentendimento: política e loso a
. São Paulo: editora 34.
16 O fim da Guerra Fria e a Queda do Muro de Berlim demarcam a ascensão da nova ordem mundial, cenário que
torna obsoleta a necessidade de programas governamentais orientados na filosofia do Estado-Providência.
17 A metáfora utilizada por Wacquant simboliza ao mesmo tempo um ser dotado de cabeça humana, representando
o racionalismo liberal, e de corpo bestial, espelhando sua face penal e de controle punitivo. Tal conceito fora ante-
riormente trabalhado por Maquiavel, Gramsci e Poulantzas.