

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 185 - 205, jan - fev. 2015
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Hodiernamente, constata-se, diante da vigência do Estado Demo-
crático de Direito, como modelo preconizado pela Carta Magna de 1988,
a escalada do Estado Policial, através da suspensão de direitos e garantias
fundamentais elementares ao regime democrático.
O Estado Policial se expande diante do esgotamento das respostas
políticas da democracia liberal-capitalista à grave crise que se ergue des-
de a era neoliberal, conduzindo ao paulatino esvaziamento do Estado de
Bem-Estar Social e à implementação de novas estratégias de gestão da
pobreza. Logo, como afirmou o sociólogo francês Loic Wacquant, progra-
ma-se o desmonte do Estado Social, substituindo-o por um Estado Penal.
Neste cenário, a sociedade exige um discurso penal ampliado, ou
a prevalência do Direito Penal de Emergência, que se expressa através
do eficientismo penal (como proposta vinculada ao Movimento de Lei e
Ordem, ao modelo intitulado de “Tolerância Zero”). Nesse diapasão, fun-
damenta-se o Estado de Polícia, que traz uma plataforma politico-criminal
que propõe, dentre outras medidas, a redução da maioridade penal, a
aplicação da pena capital, a ampliação das penas de prisão para pequenas
transgressões, o encarceramento em massa de indivíduos integrantes de
classes sociais mais baixas e segmentos em situação de vulnerabilidade.
Nessa seara, Nilo Batista afirma que o Estado Policial “é aquele re-
gido pelas decisões do governante. Pretende-se com certo simplismo es-
tabelecer uma separação cortante entre o Estado de Polícia e o Estado
de Direito: entre o modelo de Estado no qual um grupo, classe social ou
segmento dirigente, encarna o saber acerca do que é bom ou possível,
e sua decisão é lei, e outro, no qual o bom ou o possível é decidido pela
maioria, respeitando os direitos das minorias, para o que tanto aquela
quanto estas precisam submeter-se a regras que são mais permanentes
do que meras decisões transitórias. Para o primeiro modelo, submissão à
lei é sinônimo de obediência ao governo; para o segundo, significa acata-
mento às regras anteriormente estabelecidas. O primeiro pressupõe que
a consciência do bom pertence à classe hegemônica e, por conseguinte,
tende a uma Justiça substancialista. O segundo pressupõe que pertence
a todo o ser humano por igual, e, portanto, tende a uma Justiça proce-
dimental. A tendência substancialista do primeiro o faz tender para um
direito transpersonalista (a serviço de algo meta-humano: divindade, cas-
ta, classe, estado, mercado etc...); o procedimentalismo do segundo, para
um direito personalista (para os humanos)”
3
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3 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alessandro; SLOKAR, Alessandro.
Direito penal brasileiro.
V.: I.
Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 93 e 94.