

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 185 - 205, jan - fev. 2015
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Desta forma, implementa-se violentamente, como receituário autoritário,
a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais. O discurso crimina-
lizante é utilizado para deslegitimar as reivindicações populares. Vândalos
e baderneiros são as expressões utilizados como forma de captura da po-
lítica pelo sistema penal.
No Rio de Janeiro, a repressão policial aos manifestantes recebeu a
contribuição legiferante do Poder Executivo estadual. A contenção penal
ganhou contornos de decreto de plenos poderes com a aprovação do De-
creto Nº 44.302/13, exarado pelo Governador Sérgio Cabral. Dentre outros
aspectos, o referido decreto prevê a suspensão de garantias processuais
penais de manifestantes suspeitos de vandalismo, dando ensejo à polêmi-
ca sobre a constitucionalidade da adoção de tal medida no plano estadual.
Entender criticamente os aspectos políticos, criminológicos e nor-
mativos da disseminação do Estado Policial e suas estratégias de crimina-
lização dos movimentos sociais é o objetivo central do presente artigo.
Para tanto, primeiramente será abordado, à luz da Criminologia Crítica,
o processo de recrudescimento das políticas criminais em curso no Brasil
nos últimos anos, bem como será feita, em um segundo momento, a abor-
dagem acerca das violações às garantias penais e processuais penais na
repressão policial às manifestações populares, e a análise jurídico-penal
considerando a inconstitucionalidade do Decreto Estadual Nº 44.302/13.
Por fim, serão apresentadas as conclusões parciais deste breve estudo.
1 - ESTADO POLICIAL E CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
1.1 - A Ofensiva do Estado Policial como ameaça à Democracia e aos
Direitos Fundamentais
Foucault em
O Nascimento da Biopolítica
cunhou o conceito de
Estado de Polícia, ou Estado Gendarme para caracterizar o exercício do
controle social quase total almejado pelo Estado. Assim descreve:
“Para os governantes, o Estado de Polícia trata-se de consi-
derar e encarregar-se não somente das diferentes condições,
isto é, dos diferentes tipos de indivíduos com seu estatuto
particular, mas, sobretudo, encarregar-se da atividade dos
indivíduos até em seu mais tênue grão”
2
.
2 FOUCAULT, Michel.
O nascimento da biopolítica.
São Paulo: Editora Martins Fontes, 2008.