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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 142 - 163, jan - fev. 2015

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ciocínio jurídico tendente à sentença é composto pela verificação empírica

da acusação, em procedimento contraditório, no qual as ‘garantias penais’

e ‘processuais’ estejam satisfeitas, postando-se, ademais, o juiz como árbi-

tro – sistema acusatório – na ‘gestão da prova’ e não como seu produtor

40

.

Invocando a contribuição de Hume

41

e Popper

42

, Ferrajoli irá apon-

tar que no momento da ‘inferência indutiva’, probatória, a ser constru-

ída no decorrer da instrução processual, sem que se saiba de antemão,

como acontece na dedução, a veracidade da premissa. A conclusão, por-

tanto, é apenas uma das hipóteses explicativas possíveis, decorrentes

de um procedimento jurisdicionalizado e, desta feita, diferente do cien-

tífico em geral, balizado por restrições, limites e tempo. Porém, caso o

raciocínio jurídico se apodere de um ‘indutivismo ingênuo’, advindo de

generalizações causais, a conclusão das premissas é

mascarada

. Na lógi-

ca da causa-efeito, nem sempre o efeito decorre da mesma causa, desle-

gitimando, assim, as generalizações universais. A singularidade do caso,

especialmente o conteúdo probatório, é que pode gerar hipóteses mais

ou menos comprováveis, rejeitando-se a

causalidade

extrema entre as

hipóteses de fato e as conclusões, como se verifica, por exemplo, na

‘presunção’ jurisprudencialmente construída de que ‘

quem está com o

produto do furto, presume-se o seu autor’

; para além da ingenuidade

43

,

essa verdadeira ‘inversão do ônus da prova’, como se costuma afirmar,

fere de morte a lógica do Processo Penal democrático. Toda conduta

resta sub-repticiamente escamoteada – satisfazendo-se, em regra, o

acusador, o defensor e o juiz com essa ‘presunção’

inconstitucional –

,

acolhida, é certo, pelo manancial jurisprudencial editado pelo

senso co-

mum teórico

e pela ignorância dos atores jurídicos.

40 LOPES JR, Aury.

Sistemas de investigação preliminar no processo penal

. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p.

165-167; PRADO, Geraldo.

Limite às interceptações telefônicas e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 54-57.

41 FERRAJOLI, Luigi.

Direito e Razão...

, p. 105: “Os acontecimentos, como demonstrou Hume, não seguem necessa-

riamente um ao outro e, portanto, não é possível ‘demonstrar’ sua conexão causal, mas simplesmente sustentá-la

como plausível, graças a generalizações idôneas baseadas na experiência passada.”

42 FERRAJOLI, Luigi.

Direito e Razão...

, p. 108-109.

43 SANTO AGOSTINHO.

Confissões.

Trad. J. Oliveira Santos. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 130-131: “Alípio, pois,

passeava diante do tribunal, sozinho, com as tábuas e o estilete, quando um jovem estudante, o verdadeiro ladrão,

levando escondido um machado, sem que Alípio o percebesse, entrou pelas grades que rodeiam a rua dos banquei-

ros, e se pôs a cortar o seu chumbo. Ao ruído dos golpes, os banqueiros que estavam embaixo alvoraçaram-se, e cha-

maram gente para prender o ladrão, fosse quem fosse. Mas este, ouvindo o vozerio, fugiu depressa, abandonando

o machado para não ser preso com ele. Ora, Alípio, que não o vira entrar, viu sair e fugir precipitadamente. Curioso,

porém, saber a causa, entrou no lugar. Encontrou o machado e se pôs, admirado, a examiná-lo. Bem nessa hora

chegam os guardas dos banqueiros, e o surpreendem sozinho, empunhando o machado, a cujos golpes, alarmados,

haviam acudido. Prendem-no, levam-no, e gloriam-se diante dos inquilinos do fato por ter apanhado o ladrão em

flagrante, e já o iam entregar aos rigores da justiça.”