

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 142 - 163, jan - fev. 2015
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Nesse lugar de Um, todos os demais significantes se referem a ele,
tornando-se, como diz Quinet:
“o centro do mundo, aquele a quem todos
se dirigem e com o qual todos são hostis. (...) É nas relações com as pesso-
as que ele interpreta, delira. Em um ambiente hostil, querem perseguí-lo.
Muitas vezes sofre quieto, sem se queixar, só ruminando, até que, um dia,
desenvolve um delírio.”
28
No imbricamento entre o foracluído e o Outro,
surgem signos que são sinais do Outro, no qual o sujeito projeta o ideal,
na crença de comprovar a certeza que lhe é pressuposta
29
.
Qualquer semelhança com o Processo Penal e o Sistema Inquisi-
tório, pois, não é mera coincidência. O lugar do
Juiz Inquisidor
guarda
caraterísticas paranoicas por excelência; Vossa Excelência diz a
verdade
projetada desde antes e retida no
significante
mestre, por esse sujeito
que se acredita único, tal qual Schreber. Com efeito, diz Quinet, “
o para-
nóico que se acredita esse Um único pode querer encarnar o Outro para
todos os outros – posição que o aproxima do canalha. Presunçoso, sabe
o que é bom para os outros, como conduzi-los e como fazê-los gozar, seja
do saber, seja da vida eterna ou do paraíso.
”
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Mas não adianta buscar
salvá-lo da armadilha do aprisionamento do desejo, porque a ‘Instituição’
se apoderou de seu discurso e ele, como responsável por extirpar o mal
da terra, encontra-se alienado
31
. Afirma Legendre:
“O inquisitor realiza
mecanicamente sua função, trazendo pela instituição uma Salvação; não
é sensato zombar dele, pois ele não pode ouvir nem entender a crítica.”
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Não é mais ele, mas o cumpridor de uma tarefa social importantíssima,
tal qual Eichmann, cooptado pelo discurso (
nazista
) do
amor-ao-poder
.
A adubação
Imaginária
é perfeita e sutil, manipuladora da posição e da
verdade daí resultante.
Logo, a pretensão de construir uma
ciência formal
, materializada
pela dogmática jurídica e sua pretensão de uma hermenêutica unitária,
desta feita, é arrostada pela intersecção pela
psicanálise
, desnudando a
28 QUINET, Antonio.
O número um, o único..
. p. 17.
29 QUINET, Antonio.
O número um, o único...
p. 17: “A interpretação delirante estabelece a significação (‘querem me
matar’) ainda suspenso no fenômeno inicial da autorreferência mórbida, no qual o sujeito é tomado de perplexidade
diante do enigma desses sinais que vêm do Outro. A interpretação delirante (S2) restabelece a cadeia significante, parti-
da como efeito da foraclusão do Nome-do-Pai, articulando-se ao S1 ao qual está fixado o sujeito – S1 que pode ter sido
soprado por uma voz ou inventado por ele mesmo –, arrancando-o da perplexidade e jogando-o na certeza delirante.”
30 QUINET, Antonio.
O número um, o único..
. p. 18.
31 SANTNER, Eric L.
A Alemanha de Schreber..
., p. 8: “O paranoico e o ditador sofrem de uma doença do poder, que
implica uma vontade patológica de sobrevivência exclusiva e uma disposição ou mesmo um impulso concomitantes
de sacrificar o resto do mundo em nome dessa sobrevivência.”
32 LEGENDRE, Pierre.
O amor do censor..
., p. 28.