

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 142 - 163, jan - fev. 2015
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imposição da sanção, caso contrário há exculpante, constituindo-se, pois,
em
bis in idem
a sua sobreposição na configuração do tipo e na aplicação
da pena. Por isso, é ilegal a majoração da pena base diante da
culpabili-
dade
com o adjetivo que quiser, retoricamente, dar-se:
exasperada, forte,
acima da média...
No terceiro momento do Sistema Garantista (SG), o da inferência
prática, dirigida ao
mundo da vida
, é preciso que os atores jurídicos e, em
especial, o
um-juiz
, dê-se conta de que sua decisão gera efeitos inexorá-
veis aos envolvidos (acusado, vítima, etc.). Não é uma atividade lúdica,
nem desprovida de uma função na estrutura social, como exaustivamente
se deixou assentado
55
. Daí é que, comprovada a autoria e materialidade da
infração, bem como os pressupostos para aplicação de sanção, reabre-se
na aplicação da pena ummomento especial de invocação do
garantismo
e
da atuação emancipatória, como aponta Bueno de Carvalho: “
Finalmente,
além de conhecer a si próprio, a situação em litígio e o todo social, deve, a
partir daí, decidir com um pé na utopia. Sentenciar com a perspectiva do
amanhã, com a possibilidade transformadora na diretiva da utópica vida
com dignidade para todos. E propor o ainda não, mas que pode vir a ser.
Decidir com os olhos no futuro e não no passado, como se as coisas não se
alterassem. É fazer parte ativa na construção de novo modelo social
.”
56
Isso porque pela construção efetivada, o fundamento da pena é
agnóstico
, como indica Carvalho, sendo antidemocrática qualquer pre-
tensão de reforma interior ou moral do condenado
57
, na linha
fascis-
ta
da ‘Defesa Social’. A
secularização
antes indicada impede a análise
incontrolável, por
infalsificável
, da subjetividade do agente. A atuação
constitucionalizada do Poder Estatal é a de aplicar
isonomicamente
a
pena, independentemente de critérios subjetivos e incontrolados, tudo
de maneira fundamentada e
falsificável
. Todavia, remanesce a aplica-
ção dedutiva do Código Penal (arts. 32-99), sem que se dê a verdadeira
dimensão ao processo de
secularização
nessa etapa processual. Con-
55 STEIN, Ernildo.
Epistemologia e crítica da modernidade..
., p. 44: “Vamos entender que o direito não é simples-
mente um processo em que o juiz subsume um caso particular numa espécie de princípio universal. Vamos começar
a perceber que este princípio, do qual tanto se faz uso no direito – da subsunção –, é um caso concreto, (...) faz
parte de um mundo comum, de onde a lei emerge e de onde o juiz, de certo modo, retira os critérios últimos para
aplicar a lei a um caso. Quer dizer, começamos a perceber em todos os campos das ciências humanas esta questão
do mundo vivido.”
56 BUENO DE CARVALHO, Amilton.
O juiz e a jurisprudência...
, p. 8.
57 FERRAJOLI, Luigi.
Direito e Razão...
, p. 33: “Disso resulta excluída, ademais, toda função ética ou pedagógica da
pena, concebida como aflição taxativa e abstratamente preestabelecida pela lei, que não pode ser alterada com
tratamentos diferenciados do tipo terapêutico ou correcional.”