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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 142 - 163, jan - fev. 2015

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Condicionado pela interpretação rasteira, o

leguleio

acredita que a

lei, palavra do Senhor –

Outro

– é capaz de, por si só, modificar a realida-

de, ou melhor, ‘é’ a realidade. Falta capacidade para pensar, refletir, criti-

car. Tiveram absoluta razão os militares, no seu projeto de aferrolhamen-

to, ao retirar a

Filosofia

das grades curriculares. As sementes plantadas

por eles, estão, pois, servindo às finalidades de sua semeadura: alienação

e manutenção do

status quo

50

.

Domingues

51

, referindo-se à abordagem estrutural do Texto Filosó-

fico, indica os perigos na interpretação, as quais se aplicam ao caso jurídi-

co. O primeiro é o da ‘certeza ingênua’, o ‘achologismo’, no qual o sujeito

acredita, tem certeza de sua opinião (eu acho) e pronto, sem maiores cui-

dados. O perigo do juiz é que, de tanto julgar, acredita ser o senhor da ver-

dade, o ‘Cavaleiro da Fé Jurídica’, tal qual ‘Dom Quixote’ que, de tanto ler

romances de cavalaria, acreditou ser ele mesmo um ‘cavaleiro andante’ –

personagens imaginários com que se identificou – e passou o resto de sua

vida, com seu fiel escudeiro (Sancho Pança), na busca de novas aventuras,

perigos, inimigos imaginários e moinhos de vento. De outra face, e mais

temerário de todos, é o do sujeito estúpido e ignorante, decorrente de

uma anemia de leitura e teórica, defasado filosoficamente, que acredita

ser Sócrates um ex-jogador de futebol; Pascal um programa de computa-

dor; a ‘alegoria da caverna de Platão’, uma fantasia de escola de samba;

Canotilho material para, juntamente com a miçanga, fixar lantejoula em

roupas; Barata, animal doméstico de hábitos noturnos;

Fórum

o nome de

uma grife de roupas. Há, por fim, o mais comum, o perigo daquele que

ao início de um livro mais denso o fecha por acreditar ser a leitura muito

difícil (ou mesmo por preguiça mental), procurando a salvação numa juris-

prudência ou num doutrinador abalizado, reconhecido pelo ‘Monastério

dos Sábios’. Afinal, se o mundo é o da ‘eficiência’ e de não ter decisões

reformadas pelo Tribunal-Pai, para que pensar?

Desprovido de controle de constitucionalidade – oxigenação consti-

tucional –, a ser efetivada pelos atores jurídicos, os quais repetem as regras,

numa hermenêutica à ‘boca da lei’, somente por serem editadas formal-

mente, o resultado do processo de atribuição de sentido de feição

decisio-

nista

transita em julgado e, no dizer de Warat,

a paternidade legitima e faz

coisa julgada

. E as vítimas continuam pagando o preço, cumprindo pena.

50 MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de.

Sonhocídio

: Estragos Neoliberais no Ensino do Direito ou ‘La Busqueda

del Banquete Perdido’ como diria Enrique Marí..., p. 97-108, 2003.

51 DOMINGUES, Ivan. "A abordagem estrutural do texto filosófico".

In:

DOMINGUES, Ivan; MARI, Hugo; PINTO, Julio.

Estruturalismo:

memória e repercussões. Rio de Janeiro: Diadorim, 1996. p. 137-152.