

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 142 - 163, jan - fev. 2015
154
De sorte que a estrutura ‘paranoica’, no Processo Penal, aparece
sutilmente, eis que encoberta por
recursos retóricos ordenados
, tanto na
assunção de uma
postura inquisitória na gestão da prova
, quanto na
in-
terpretação
da conduta. Com efeito, nesse movimento de autorrefência,
na instrução probatória tudo se refere a ele (Juiz Inquisidor)
37
, seja um
olhar do acusado, uma palavra ambígua da testemunha, um olhar perdi-
do, é tido como algo que
não aconteceu por acaso
e refere-se a ele, e aí....
e aí.... condena-se, manejando-se recursos retóricos. Afinal, o Juiz agindo
por mandato do
Outro
, possui o poder formal de dizer a
verdade
no caso
em julgamento. Mesmo que seja um ‘neurótico’, ‘obsessivo’, ‘esquizofrê-
nico’ no mundo da vida extrajurídica (se é que é possível), pelo menos
nesses dois momentos pode assumir uma postura
paranóica
, agravada se
partidário de movimentos de recrudescimento da repressão, como ‘tole-
rância zero’, ‘Lei e Ordem’
38
.
Por isto é que alguns que se dão conta da situação não suportam o
fardo, mudam de Vara. Legendre, sobre o
locus
, assevera: “
Nenhum juris-
ta pode fazer nada quanto a isso e pouco importa que ele saiba; ele ocupa
seu quadrado, seu jardim fechado,
hortus conclusus
, dizia de maneira ex-
cedente o texto medieval.
”
39
Seu silêncio, todavia, não muda a estrutura
que, por omissão, acaba com ela compactuando. Ainda que se esteja nes-
se local-processual, existe uma tarefa inafastável de democratização do
Processo Penal brasileiro que passa pela modificação da postura ‘paranoi-
ca’, agravada, ainda, pela contingência da exclusão social e os movimentos
de recrudescimento penal que sobrecarregam o fardo do ‘paranoico-juiz’
na Defesa Social da sociedade. Mas talvez quando se tenha certeza de que
se não está mais neste lugar paranóico, o ego tenha vencido, de vez.
III. Uma leitura garantista da decisão penal
Rompendo-se com a postura
paranoica
e desde o modelo de tripla
inferência proposto pelo Sistema Garantista (SG), a primeira etapa do ra-
37 CORDERO, Franco.
Guida alla procedura penale..
., p. 52: “All’economia verbale típica del formalismo agonistico
accusatorio l’inquisizione oppone parole a diluvio: inevitabile qualche effetto ipnotico-vertiginoso-alucinatorio; fatti,
tempi, nessi, svaniscono nel caleidoscopio parlato; nessun processo finirebbe mai se chi lo ordisce a un dato punto
tagliasse il filo; e lo fa quando voglia, preché há mano libera.”
38 CORDERO, Franco.
Procedimento Penal
, v. 1..., p. 22-23: “Provisto de instrumentos virtualmente irresistibles,
el inquisidor tortura a los pacientes como quiere; dentro de su marco cultural pesimista el animal humano nace
culpable; estando corrompido el mundo, basta excavar en un punto cuualquiera para que aflore el mal. Este axioma
elimina todo escrúpulo en la investigación.”
39 LEGENDRE, Pierre.
O amor do censor...,
35