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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 142 - 163, jan - fev. 2015

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Cunha que a doutrina e a jurisprudência, pois, “

cumprem duas funções

bem definidas. Primeiro redefinem o que é ou não crime e, em segundo lu-

gar, servem de ‘mecanismo paliativo de desercargo’ do julgador. Passam

a ser, então, ‘fábricas de argumentos retóricos’.

19

Ferrajoli reconhece, de seu turno, que em sendo preciso julgar,

e não se tendo um Sistema Garantista (SG) ideal – proposta impossível,

ademais –, os atores jurídicos e principalmente os juízes preenchem se-

manticamente o vazio dos ‘tipos penais’, utilizando-se, para tanto, da

vastíssima gama de ‘Repertórios Jurisprudenciais’, os quais irão permitir

escolhas arbitrárias e

ad hoc

: “

Uma vez que um código é também uma es-

pécie de dicionário da linguagem jurídica, composto por redefinições con-

vencionais de termos extraídos da linguagem comum, os repertórios de

jurisprudência produzidos anualmente pela atividade interpretativa dos

tribunais podem ser concebidos como inesgotáveis compilações de redefi-

nições judiciais das redefinições legais, dentre as quais os juízes escolhem,

para fins de subsunção, as de sua preferência. É, ademais, inevitável que

este enorme volume de redefinições produza em seu conjunto o efeito de

aumentar, mais do que reduzir, o caráter polissêmico e redundante do

vocabulário jurídico.

”20

Com esta artimanha, o ‘Princípio da Legalidade Estrita’ resta for-

temente abalado, dado que o que é proibido não está na lei, mas sim

nas

redefinições

legais operadas, tal qual os ‘glosadores’, desde o

senso

comum teórico

e escolhidas – com as implicações hermenêuticas e psi-

canalíticas –, como que numa vitrine, pelos juízes, na maioria das vezes

em processos antidemocráticos e à despeito dos argumentos invocados

pelas partes, como deixa evidenciado Ferrajoli no seguinte exemplo: “

Pre-

cisamente, chamarei poder de denotação jurídica ou de interpretação da

lei ao exercido pelo juiz ao denotar um sujeito fático (em nosso exemplo,

‘um beijo’), mediante um predicado legal apropriadamente redefinido por

ele com termos de extensão determinada (‘são obscenos todos os beijos

dados em público’); e poder de denotação fática ou de interpretação dos

fatos ao exercício pelo juiz ao denotar com um predicado legal (‘obsceno’)

um sujeito fático expressamente conotado por ele com os termos de ex-

tensão indeterminada usados na lei (‘Tício beijou Cássia obscenamente’).

‘Frequentemente, estas duas formas de denotação potestativa (e integra-

19 CUNHA, Rosa Maria Cardoso da.

O caráter retórico...,

p. 24.

20 FERRAJOLI, Luigi.

Direito e Razão..

., p. 103.