

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 142 - 163, jan - fev. 2015
145
Sem incorrer (mais) na problemática representacional (sujeito e ob-
jeto do conhecimento), pois acolhe o sujeito empírico, a questão episte-
mológica (S/O) perde em grande parte o sentido. É da inter-relação social
de sujeitos concretos que surgem as formas de vida. Não se trata mais
de um sujeito transcendental que conhece, de sua aldeia ideal, o objeto.
Desprovidos de
metalinguagem
, afirmou Lacan, a linguagem
desliza
como
sendo o único momento, por ser da ordem do não todo, já que não é pos-
sível dizer o todo. É sobre o buraco que se organiza a palavra e instaura-se
o
significante
e essa
falta
é, para o sempre, desprovida da possibilidade
de preenchimento, salvo
Imaginária
, embora seja o que se busque fazer
todos os dias, razão pela qual há de existir amanhã.
E como a
linguagem
é fonte de criatividade e os processos sociais
formam parte dos processos sociais de vida, inexistem regras fixas e eter-
nas. Assim é que o
solipsismo
acaba com os critérios de
verdade
do sujeito
epistemológico, remetendo a questão da validade intersubjetiva na for-
ma de justificações das convenções e acordos culturais. O
conhecimento
,
pois, não pode ser mais o reflexo da realidade colhida pelo espelho da
observação. No discurso jurídico, também, não é possível se acreditar na
vinculação apenas
semântica
do ‘princípio da legalidade’, por insuficiente.
Está-se, enfim, achado na linguagem. Mas nem todos se dão conta, sendo
mais tranquilo aos atores jurídicos – principalmente aos ‘Jurista de Ofício’
– a manutenção de um ‘legalismo rasteiro’ que, decerto, funciona como
poderoso ‘mecanismo paliativo de desencargo’ (Miranda Coutinho). Assu-
mir esse movimento é fundamental para os destinos da decisão judicial,
bem como para a construção do ‘Estado Democrático de Direito’.
Diante do texto normativo, o senso comum teórico cumpre a lição
da Escolástica, reportada por Legendre pela máxima: “interpretação de-
mais é como tocar piano com um martelo! Semelhante gracejo, mais pro-
fundo do que diz, visava a dissuadir o esforço interpretativo, tido como
ilícito, isto é, subversivo para além de uma certa fronteira familiar desig-
nada como intransponível.”
8
No campo da interpretação, o senso comum
teórico faz um verdadeiro loteamento das falas autorizadas, estabelecen-
do de antemão a forma pela qual se dá a “gramática de produção, circu-
lação e reconhecimento dos discursos do direito.”
9
Sem o preenchimento
desses requisitos de validade, o enunciador do discurso não está apto, isto
8 LEGENDRE, Pierre.
O amor do censor..
., p. 10.
9 WARAT, Luis Alberto.
Introdução Geral ao Direito
: a epistemologia jurídica da modernidade..., p. 75.