

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 142 - 163, jan - fev. 2015
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me torna garantista. É difícil, mas se o sujeito citar o Ferrajoli, em segui-
da surge um dedo apontando – e muitas vezes franzindo o cenho: esse
é garantista. É banal e bizarro como a coisa acontece no Direito. Desde
já antecipo que concordo com alguns pontos da perspectiva de Ferrajoli,
mas não posso ser chamado de garantista porque já critiquei ferozmente
o Garantismo e, por não ser um analítico, seria paradoxal apostar minhas
fichas no Garantismo. Aliás, Luis Alberto Warat no prefácio da minha dis-
sertação já dizia isso: “
o texto apresenta afirmações sobre o garantismo
que parecem indicar a aceitação do autor; na realidade, são expressão de
uma ironia muito fina que é preciso que os leitores, sem pressa, aprendam
a desfrutar.
”
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A proposta desse texto é muito mais caótica do ponto de vista
teórico, dado que pretende apresentar o modelo de decisão de Ferrajoli
como um sendero, sem o subscrever, nem desconsiderar sua problemática.
II. Para além do Juridicida Paranoico
Cumpre recuperar, mesmo que parcialmente, o caminho trilhado
sobre as possibilidades hermenêuticas, na perspectiva da ‘Filosofia da
Linguagem’. Neste sentido, conforme resume Warat, a epistemologia do
senso comum teórico
identifica-se com o texto da lei autossuficiente, em
atitude manifestamente reducionista, na pretensão de encontrar a sig-
nificação
“no interior do próprio sistema criado e esquecendo as outras
cenas significativas, como a produção social de sentido que, na verdade, é
anterior ao próprio significado textual.”
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Não existindo mais uma
verdade
primeva
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, resta o reconhecimen-
to da existência viva do olhar do
outro
(Levinas), podendo-se aproveitar,
com o encurtamento apontado, o discurso
habermasiano
no processo de
atribuição de sentido realizado judicialmente. É que a democracia é um
processo que precisa ser desvelado de forma participativa e crítica. Sem
isso, as sanções estatais acabam se legitimando em auditórios reduzidos
ou monoauditório (juiz isolado), excluindo aqueles que, todavia, sofrem
as consequências das decisões, reeditando os obstáculos do
mito
da
Mo-
4 WARAT, Luis Alberto. "Apresentação fora das rotinas".
In
: MORAIS DA ROSA, Alexandre.
Garantismo Jurídico e
Controle de Constitucionalidade Material.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. XV.
5 WARAT, Luis Alberto.
O Direito e sua linguagem.
.., p. 15.
6 CUNHA, Rosa Maria Cardoso da.
O caráter retórico...
, p. 97: “Nas palavras da lei penal, é arbitrária ou imotivada
a relação entre significantes (suporte gráfico) e o significado (conceito). A arbitrariedade do signo, fundada em seu
caráter convencional, rejeita a tese da correspondência das formas gráficas legais com os conceitos que estas veicu-
lam. Não existe uma relação essencial entre as palavras grafadas e os objetos ou situações denotadas pelas mesmas.
As palavras da lei não são, como quer a dogmática, constitutivas de sentido.”