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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 119 - 141, jan - fev. 2015

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polícia

. Justamente, na medida em que o poder soberano é aquele que

preserva o direito de agir e impor soberanamente (até) a morte aos cida-

dãos a cada momento, definindo-os como vida nua (“porque eu quis!” po-

derá proclamar algum agente da ordem...), ao contrário de algum senso

comum que pode na polícia ver apenas a função administrativa de execu-

ção do direito (primado sob o ponto de vista interno que pode ser retra-

tado na orgânica afirmação da hierarquia e do cumprimento de ordens),

não é temerário arriscar que esteja aí o local de maior clareza e proximi-

dade da

troca constitutiva entre violência e direito da imagem soberana

.

Vez mais: é no movediço terreno da contiguidade entre violência e direito

que a polícia se apresenta. Se o soberano é, de fato, vez mais aquele que,

proclamando o estado de exceção e suspendendo a validade da lei, assi-

nala o ponto de indistinção entre violência e direito,

26

propriamente é a

polícia que se move desde o próprio estado de exceção.

Qualquer significante como “ordem pública” ou “segurança” ape-

nas vem a confirmar a configuração desta zona. Quando militarizada

como agora, a torrente de suas razões ao menos merece ser lida ri-

gorosamente sem subterfúgios. A cada tempo, exibem-se por armas

(cinicamente não letais, mas apenas para certa clientela), um poder ao

mesmo tempo amorfo e metódico, espectral e violento que se realiza

na criminalização do inimigo, primeiro excluído de qualquer humani-

dade e depois aniquilado por alguma “operação de polícia”. Entretan-

to, qualquer governante impávido diante do deslizamento da sobera-

nia às áreas obscuras da polícia, não raro ainda, investidor assíduo das

baterias criminalizadoras do outro, não pode esquecer que a virtuali-

dade de tal imagem também poderá concretizar-se sobre si. Ou seja,

ainda que o alerta possa ter pouca ou nenhuma ressonância sobre

aqueles que de fato ocupam a posição do elemento político originário,

não fazendo qualquer efeito sob o gozo do poderio absoluto, deve-se

acentuar o ponto de que é a criminalização do adversário que se rende

necessária no corolário soberano. Não há espaço aí para engano, pois

quem quer que vista o triste manto da soberania, como assinala Agam-

ben

27

, no fundo sabe poder ser um dia ser tratado como criminoso –

mostrando, afinal, a sua original promiscuidade com ele.

26 AGAMBEN, Giorgio.

Homo Sacer

, p. 23-36.

27 AGAMBEN, Giorgio. “Polizia sovrana”.

In:

Mezzi senza fine:

Note sulla politica.

Torino: Bollati Boringhieri, 1996, p. 86.