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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 119 - 141, jan - fev. 2015

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de outro modo, assumir uma certa homogeneização histórica associada a

um anonimato das estruturas de poder seria diluir enormemente o grau

de responsabilidade de setores civil-militares na transição nada democrá-

tica dada no Brasil mormente sob o aspecto da segurança pública. Vale di-

zer, é como se o argumento entoasse (nem tão) sub-repticiamente: “como

assim foi no Brasil desde a escravidão, quiçá desde sempre, pouco adianta

acabar com as PM´s...”. Esta postura traz consigo, alhures, uma condená-

vel indiferenciação histórica, ou seja, acaba por se render a uma planifi-

cação da dor, novamente forçando a naturalização das práticas policiais

violentas que, afinal de contas, sob o argumento cínico, não poderiam ser

de outro jeito senão de acordo com o que fora posto no palco da história

(dos vencedores) – como se a constante e insistente torrente de violência

punitiva na história brasileira não carregasse consigo nuances, pontos de

tensão, índices de performances exacerbadas e nós privilegiados que me-

recem sempre a atenção daqueles interessados a se afastar de qualquer

condenação a um niilismo (pouco) reconfortante.

Obviamente, o ideário de que tudo tenha iniciado com o golpe

de 64 e de que tal medida de desmilitarização possa ser vista como sim-

ples e única solução somente deve ser assumida por quem desconhece

a complexidade que envolve o campo político nesta área. Ainda estare-

mos lidando com a

polícia

e suas implicações constitutivas de

violência

soberana.

Todavia, marginalizar tal iniciativa como de menor importância,

é tentar se camuflar sob estratégias governamentais pouco nobres (que

em momentos de crise, quando muito, sugerem meras concessões refor-

mistas para a manutenção do mesmo estado de coisas), ademais oportu-

nistas, que acabam insistindo nas mesmas dinâmicas sob o pretexto de

alguma governabilidade obscura, ou, sobretudo, ser conivente com o tra-

ço perene de autoritarismo que supostamente quer atacar. Se as polícias

militares fazem parte de um contexto histórico específico da formação po-

lítica brasileira e a elas não se reduz a avalanche de violência institucional,

alargada por todas as atividades institucionalizadas ou não de polícia – ao

mesmo tempo que atualizam uma longa história de perseguições seletivas

no Brasil – que isto não sirva de pretexto para a nefasta reprodução desta

mesma lógica violenta via uma pretensa anistia histórica sobre a qual não

devemos nos responsabilizar, muito menos perlaborar autocriticamente a

memória institucional daquilo que representa.