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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 119 - 141, jan - fev. 2015

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Se o militarismo, ademais de ser constitucionalmente sancionado,

espraia-se na sociedade brasileira com grande aceitação, alimentando,

sem dúvida alguma, um espesso crivo cultural autoritário (nem precisa-

mos referir a excrescência do art. 142 da Carta Constitucional que refere

serem as “Forças Armadas” aquelas que têm o poder de “garantir” o fun-

cionamento do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, a lei e a ordem,

quando numa ordem que se quer democrática deveria exatamente ser o

reverso! Portanto, no Brasil, cabe às Forças Armadas, que deixam de ser

meio para se transformar, quando necessário, em fim do Estado, o poder

soberano e constitucional de suspender a validade do ordenamento ju-

rídico, colocando-se legalmente fora da lei

20

), necessário é ter em vista,

além das dimensões deste sintoma de violência cotidiana, alguns nós pri-

vilegiados sob os quais se deposita e se canaliza a normalização violenta,

tal como o espaço das forças armadas realizando papel de polícia como no

Brasil. Quer dizer, não há como negar que é

locus

sensível a tais ingerên-

cias as polícias militares, subordinadas ao exército na sua lógica de pronto

emprego e combate ao inimigo. Há que se dizer, porém, que, para além

da tarefa mais evidente de perceber as velhas práticas violentas e suas

edificações institucionais sobre o verniz democrático – as PM´s o são local

denso destas heranças –, necessário investir numa postura que arrisque

questionar o que há de inédito dentro desta própria dinâmica, aquilo que

foi incrementado atualmente – o velho fortalecido agora sob o manto da

20 A Constituição de 1988, em que pese o alarmado cunho de “cidadã”, descentralizando poderes e estipulando

inexoráveis benefícios similares às democracias mais avançadas, não conseguiu suportar o lobby dos interesses mili-

tares ao ponto de – frise-se – as cláusulas relacionadas às Forças Armadas, Polícias Militares estaduais, sistema judi-

ciário militar e de segurança pública em geral terem permanecido praticamente idênticas à Constituição autoritária

de 1967 e a sua emenda de 1969. Como assevera Zaverucha, os interesses militares trabalharam forte, a ponto de

uma das oito grandes comissões à época da redação da nova Carta, a “Comissão de Organização Eleitoral Partidária

e Garantia das Instituições”, encarregada dos capítulos ligados às Forças Armadas e à segurança pública, foi presidia

pelo então senador Jarbas Passarinho – “às favas todos os escrúpulos de consciência!”, já diria o próprio ex-Ministro

dos governos dos Generais Costa e Silva e Figueiredo, signatário do AI-5 em 1968, quando da sua instauração diante

do Conselho de Segurança Nacional. Por outro lado, ainda, escreve o professor pernambucano que tampouco o tex-

to constitucional trará qualquer definição do que seja afinal “lei e ordem”, restando as referências aos seus múltiplos

sentidos: “ordem interna e internacional” (preâmbulo); “ordem constitucional” (art. 5º XLIV); “ordem pública e so-

cial” (arts. 34 III, 136 e 144); “ordem econômica” (art; 170) e “ordem social” (art. 193). Como destaca ainda, além de

não definir o que seja, muito menos aduz quem ou quando a “lei e a ordem” são violadas. A rigor, “as Forças Arma-

das garantem a ordem constitucional, pública, política, social e econômica. Haja Poder! (...) Ou seja, a Constituição

de 1988, tal como a anterior, tornou constitucional o golpe de Estado, desde que liderado pelas Forças Armadas.”

(ZAVERUCHA, Jorge. “Relações civil-militares: o legado autoritário da Constituição brasileira de 1988”, p. 45-49). Não

precisaríamos de muito esforço historiográfico para surpreender a semelhança dos termos utilizados pelo art. 142

da Constituição (“As Forças Armadas (...) destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e,

por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”) e “coincidentemente” o comunicado escrito, após o comício

do presidente João Goulart na Central do Brasil, pelo então chefe do Estado Maior do Exército, General Castello

Branco, aos seus subordinados em 13 de março de 1964 lembrando, às vésperas do golpe, que “os meios militares

nacionais e permanentes (...) são propriamente (...) para garantir os poderes constitucionais, o seu funcionamento

e a aplicação da lei.” LIRA NETO, João de.

Castello

: a marcha para a ditadura. São Paulo, Contexto, 2004, p. 239).